No belo, instigante, inquietante e emocionante A Estrada do veterano Cormac Mccarthy, um pai e seu filho caminham em direção à costa, em direção ao mar, sua única rota é permanecer seguindo as estradas e guiando seus passos auxiliados por um velho mapa cujas dobras já se partiram há muito tempo.
Seus pertences são um velho carrinho de compras, cobertores esfarrapados, algumas latas de alimento e um velho revólver para se defender dos assassinos e devoradores errantes que transitam nas velhas estradas também.
Não há mais nada, quase tudo que vive já está extinto, se perdeu, morreu e o pouco que sobrou arde nas chamas de incêndios que perduram dia e noite, tudo encoberto por uma onipresente neblina de cinzas e fuligem.
As árvores tombam pela ausência de luz solar que não atravessa mais a camada de cinzas sempre pairando por toda parte, quando não por isso são consumidas pelo fogo que não cessa jamais.
A chuva que caí traz um frio intenso e transforma a cinza em lama. As cidades estão em ruínas, tudo abandonado e saqueado anos antes do que é apresentado ao leitor.
Os poucos humanos vivos se escondem nas ruínas da civilização e caçam uns aos outros como animais, pois a escassez de comida tornou outros seres humanos uma opção de alimento: Canibais, este é o maior dos perigos que rondam os viajantes das estradas. E sem nomes, acostume-se a isso, no fim de tudo nenhum de nós terá uma identidade que valha algo ou que resista aos caprichos do tempo…
Não há civilizações secretas que progrediram em meio ao caos, nem artefatos sagrados capazes de restaurar o planeta, nem nave espacial para nos levar a outros mundos e lá erguer uma nova Terra (e depois destruí-la também), não há oásis para viajantes, nem livro contendo todos os segredos e conhecimentos acumulados pela humanidade… Não há absolutamente NADA.
O que causou o caos e a destruição jamais lhe é ou será revelado. É um daqueles acontecimentos literários que nenhum leitor jamais saberá e por isso mesmo engrandece ainda mais este livro que, por muitos, é considerado a grande obra Mccarthy.
É um daqueles acontecimentos eternos da Literatura como o oceano vivo de “Solaris”, o imenso castelo inalcançável de Kafka em “O Castelo”, o assassino de “Cosmos” de Witold Gombrowicz, a traição, ou não, de Capitu contra Bentinho na obra “Dom Casmurro” de Machado de Assis e muitos outros. O fim do mundo segundo Mccarthy é mais um a integrar este mundo de enigmas literários indecifráveis.
Em poucas linhas esta é a paisagem pintada por Cormac Mccarthy no perturbador, sombrio e triste “A Estrada”, com certeza um dos melhores livros do século XXI. Que me desculpem os fãs dos best sellers vampíricos, de bruxinhos, de autoajuda, de listas de grandes revistas e afins, mas passar por este mundo sem ler “A Estrada” é NÃO ler de verdade.
Ponto de virada na carreira do escritor norte-americano que tem na bagagem um National Book Award, do National Book Critics Circle Award e um Pulitzer em 2007, “A Estrada” é um livro pesado em sua história de repetição das situações vividas por um pai e seu filho em um mundo onde tudo, inclusive esperança, já se perdeu ou está se desfazendo em pó, em nada.
A busca incessante por comida, por um abrigo, busca por uma luz no caminho adiante é o que guia página a página do livro.
As noites sem que se possa enxergar um centímetros adiante força a pequena família a parar sempre, as poucas horas de sono são marcadas por pesadelos e lembranças de uma vida anterior a isso, quando pai e filho tinham a companhia de uma mãe e esposa.
A dor da existência dessa mulher marca a vida deste pai, a dor da ausência desta mãe marca o vazio da vida deste filho que não tem nada, jamais terá. Para pai e filho cada um é o mundo inteiro do outro, e nada mais.
Muito mais que um livro sobre as distopias que nos aguardam a cada passo para o futuro, é um livro sobre um relacionamento que sustenta duas pessoas diante do caos, que encontram uma na outra sua motivação de caminhar em busca de algo minimamente melhor, de uma luz, de um lugar para pousar a cabeça e dormir em paz.
A metáfora parece clara, a estrada do título é a estrada a ser seguida para um mundo melhor, mas esse mundo não existe mais, nem mesmo nas histórias que um pai contava para seu pequeno filho.
A estrada que a pequena família segue às margens é a estrada que resta, não a melhor, não a estrada de tijolos amarelos, mas o único caminho a ser seguido depois que tudo acabou e sumiu. O único elo com o passado é um pai, o único elo com uma possibilidade de futuro é um filho e é nesse filho que reside a força para trilhar cada passo da estrada em direção ao mar, à procura de comida, de vida, de um mundo melhor.
Não se iluda, “A Estrada” não tem esperança, não tem beleza, apesar de todo amor e companheirismo que existe no pequeno mundo de um pai e seu filho. É o típico livro que não poupa esforços para esfregar na cara da humanidade o que ela pode fazer com nosso mundo, com seus iguais, é o típico livro que, já nas primeiras páginas, você sabe que não pode e não vai terminar bem.
Nos diálogos secos, nas descrições sombrias do mundo que desmorona a cada passo, na visão sombria da estrada que não revela nada além de alguns passos adiante em meio as cinzas e aos escombros do passado, do presente e do futuro que não existe.
A última metáfora, um caminho obscuro espera por cada um de nós, a estrada do título é a vida de cada um de nós, cheia de tristezas, cinzas, escombros, sem se definir nunca, sem nos dar a mínima chance de fazer as melhores escolhas, sem esperança alguma a nossa vida segue caminhando tempo após tempo porque não há escolha alguma além disso e só nas pessoas que amamos é que reside alguma motivação real para dar um passo após o outro.
É isso que Mccarthy jogo na nossa cara em diálogos e capítulos de uma secura tão árida e cinza quanto as paisagens de seu livro que, em muitos momentos, lembra o também árido e seco J.M. Coetzee.
A estrada se estende diante de você, a leitura deste livro é, com intenção de trocadilho, uma grande viagem por um mudo que é grande em sua extensão, pois o apocalipse dentro dele diz respeito a um tema caro a todos nós atualmente, a destruição do meio ambiente, e por outro lado o mundo deste livro é tão pequeno, não no sentido de restrito, mas pequeno porque é intimista pelo drama e sofrimento de um pai que tem em seu filho sua única luz, seu único farol no auxílio para encontrar um caminho para a redenção e no mesmo mundo de um filho que só tem seu pai como guia, como escudo, como força.
Esta estrada vale a pena ser seguida em cada letra de sua extensão, Cormac Mccarthy ganhou em definitivo seu posto entre os grandes autores universais e “A Estrada” o seu de Grande Livro.
A Estrada | O Filme
Em 2009 a obra de Mccarthy foi adaptada às telonas seguindo a grande tendência de migrar obras entre mídias. O próprio escritor acompanhou de perto o processo de adaptação de sua obra, dando o aval quando filme e livro se irmanaram.
No elenco quem puxa o filme é ninguém menos que Viggo Mortensen no papel do Pai (é, lembre-se, em momento algum do livro o nome do pai e do filho são mencionados). Eternizado como Aragorn da trilogia “O Senhor dos Anéis” o ator mais uma vez se supera e incorpora muitíssimo bem o papel que lhe é dado.
Méritos também para o excelente ator mirim Kodi Smit-McPhee que hoje tem 14 anos e mandou muito bem no papel do pequeno garoto. Destaque também para o veterano Robert Durvall.
O filme é também recomendadíssimo, pena que não consegui me despir de todas as impressões e emoções do livro e das imagens que, como designer e ilustrador, criei em minha cabeça, mas mesmo com tantas impressões deixadas pelo livro, muita coisa é bem forte através das imagens em movimento.
Mas vá sem medo de ser feliz, ou infeliz, pois não é no filme que as coisas são adoçadas para as pessoas de coração fraco ou puro demais para encarar de frente algumas mazelas humanas. O dvd já está disponível, então não perca tempo de conferir também a versão cinematográfica que tem uma fotografia primorosa.
A Estrada | Ficha Técnica
Num futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As cidades foram transformadas em ruínas e pó, as florestas se transformaram em cinzas, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis. Os poucos sobreviventes vagam em bandos.
Um homem e seu filho não possuem praticamente nada. Apenas uns cobertores puídos, um carrinho de compras com poucos alimentos e um revólver com algumas balas, para se defender de grupos de assassinos. Estão em farrapos e com os rostos cobertos por panos para se proteger da fuligem que preenche o ar e recobre a paisagem.
Eles buscam a salvação e tentam fugir do frio, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. Essa jornada é a única coisa que pode mantê-los unidos, que pode lhes dar um pouco de força para continuar a sobreviver.
‘A Estrada’ representa uma mudança surpreendente na ficção de Cormac McCarthy e talvez seja sua obra-prima. Mais que um relato apocalíptico, é uma comovente história sobre amadurecimento, esperança e sobre as profundas relações entre um pai e seu filho.
- Capa comum: 240 páginas
- Editora: Alfaguara; Edição: 1ª
- Idioma: Português
- Dimensões do produto: 23,2 x 15 x 1,4 cm
Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.