“Fala Ai” é uma coluna do site do Pencil Blue Studio (AQUI), parceirão do PZ. Nessa primeira matéria batemos um papo com o artista Elias Martins, agenciado do Pencil Blue Studio. Elias fala um pouco de sua trajetória até se tornar um profissional de quadrinhos e todos os meandros desta profissão que, muitas vezes, se confunde com uma verdadeira “Jornada do Herói”.
Pencil Blue Studio(PBS): Defina Elias Martins em uma frase?
Elias Martins: Um aprendiz.
PBS: Qual sua formação? Como aprendeu a desenhar?
Elias Martins: Eu tenho o segundo grau escolar completo, mas não tenho curso superior. Na verdade cheguei a cogitar começar um curso, mas quando tive a certeza que queria seguir no ramo dos quadrinhos abandonei a ideia. Diversas entrevistas com artistas do ramo me fizeram tomar consciência de que deveria investir tudo naquilo que era o meu sonho. Quanto aos desenhos, por toda minha vida estive inserido no mundo da arte. Quando criança já desenhava, mas na adolescência comecei a correr atrás para tentar ganhar algum dinheiro com arte. Meus primeiros trabalhos foram fazendo retratos de amigos. Logo começaram aparecer alguns pequenos trabalhos para jornais locais, depois comecei a pintar telas. Devo ter pintado umas 200 telas que foram até para clientes de outros países. Já fiz alguns pequenos trabalhos na área de escultura para uma empresa de moldes para fábrica de brinquedos. Mas o que eu realmente queria era trabalhar com historias em quadrinhos. Eu Acho que você tem que ir trabalhando naquilo que o destino coloca no teu caminho até conseguir chegar ao tão sonhado objetivo.
PBS: Que materiais você usa para desenhar e arte-finalizar?
Elias Martins: Para esboçar, uma lapiseira 2.0 da Staedler com grafite HB. Para finalizar o desenho, Lapiseira 0.5 com grafite 2B. A Staedler é única, pois a tenho a quase 4 anos. A 0.5 já tive diversas, desde uma chinesinha até uma Pentel. Atualmente estou com uma da Pilot que também é muito boa. Quanto ao Papel, uma vez pedi diversas gramaturas a uma gráfica de um amigo para testes e o que melhor me adaptei foi o Sulfite 120 Gramas, que apesar de não ser tão grosso foi o qual eu consegui meus melhores resultados. Alem disso é fácil de transportá-la. Digo isso, por que por alguns anos eu levava folhas de desenho para o meu trabalho. Para poder produzir as paginas nas horas vagas do meu antigo trabalho antes dos quadrinhos. Folhas com gramaturas muito alta acabam “quebrando” se você não as transportá-la adequadamente. Quanto à finalização, utilizo bico de pena Speedball Hunt 107 e tinta nanquim Tales.
PBS: Como começou na área? O que te motiva e faz acreditar que é possível viver de quadrinhos?
Elias Martins: Eu comecei com os quadrinhos no ano 2000, quando resolvi produzir uma Webcomic junto com um amigo. Trabalhamos uns cinco anos nesse projeto que era feito nas horas vagas e nos finais de semana. Depois que lançamos, resolvi que queria trabalhar somente com quadrinhos. Queria viver daquilo. Os tempos passaram e comecei a enviar testes a todo agente que eu sabia que existia. Lia Livros voltados para o ramo como os de Scott MacCloud, mas não foi nada fácil. E depois de dois anos estudando e correndo atrás eis que Deus colocou em meu caminho o Marcelo Salaza e o Alzir Alves que me colocaram para fazer o titulo Corrective Measures # 08 e 09 para Arcana Press. Foi uma grande oportunidade que me abriu portas para outros trabalhos, como 3 edições de Night para Jester Press, Partners de 86 paginas para um escritor independente da Noruega e a mini serie em cinco edições de Mother and Son para GrayHaven Comics. Fiz uma participação em The Waking – Dreams End 4 e Grimm Fairy Tales para Zenescope. O que me motiva é a forma como você trabalha. É trabalhando e aprendendo o tempo todo. Sempre você encontra algo que poderá te ajudar no seu desenvolvimento e isso é o legal da coisa toda. Pode ter diversos artistas e cada vai ter o seu jeito de absorver a ideia da historia. Costumo achar que não há concorrência entre os quadrinhistas. O que há, é uma diversidade de estilos e formas de trabalhar. Quanto mais profissional você for com seus clientes e mais humilde na hora de levar uma critica, mais perto estará do sucesso. O que irá definir se você poderá viver somente de quadrinhos um dia serão essas coisas aliada a sua persistência.
PBS: Quais desenhistas te influenciam nos quadrinhos?
Elias Martins: Há diversos. Quando comecei era um grande fã do David Finch; No Começo, houve uma grande influencia desse artista nos meus trabalhos. Mas com o tempo percebi que aquele estilo, apesar de me trazer bastante comentários positivos para o meu trabalho, não era o estilo que eu deveria seguir. Então comecei a correr atrás de outros estilos e isso me fez cometer muitos erros ao tentar pular de um estilo para outro e tentar sempre buscar um caminho de melhorias. Nem sempre o estilo do artista que você admira poderá ser o que funcionará para você. Hoje tenho consciência de que por mais que o cliente receba meu trabalho como satisfatório, há sempre o que ser melhorado. Atualmente tenho acompanhado os trabalhos mais realísticos de Leinil Francis Yu, Brian Hitch, Tony Daniels entre outros. Mas admiro muito e sempre a arte de Jim Lee, Katsuhiro Otomo, Gary Frank além dos brasileiros, Mike Deodato, Adriana Melo, Ivan Reis e muitos outros.
PBS: Qual sua opinião sobre o mercado de quadrinhos atualmente?
Elias Martins: Acho que é um mercado ilimitado com as portas sempre abertas para todo bom trabalho que surgir. Uma prova disso é o Mesmo Delivery de Rafael Grampá e os diversos trabalhos dos gêmeos Gabriel Bá e Fabio Moon. Apesar de não conhecê-los pessoalmente sou um grande admirador de seus trabalhos.
PBS: Muito se fala de um mercado brasileiro de quadrinhos e até cotas para as editoras já foi sugerido, você acredita em um mercado aqui no Brasil? Na sua posição de desenhista o que tu achas que falta para isto se tornar viável?
Elias Martins: Acho que faltam ideias de boas historias. Coisas originais. Não copias de algo que está sendo lançado lá fora. Por mais que você justifique que o seu trabalho é original e único, se ele tiver elementos gráficos que o façam remeter a qualquer sucesso americano já fica difícil de emplacar. Ninguém dará o devido credito a uma HQ de um personagem que lembra alguma coisa que está sendo produzido lá fora, seja mangá, infantil ou quadrinhos no estilo americano. Tem que ser original.
PBS: O que achas das webcomics? Elas seriam uma solução viável para um possível mercado brasileiro?
Elias Martins: No ano 2000 eu um amigo resolvemos desenvolver uma historia para internet. Conseguimos um pessoal que estava disposto a investir na ideia e corremos atrás de desenvolver a nossa webcomic. Depois de Cinco anos de trabalho com diversos personagens e marcas registradas, resolvemos lançar a revista digital. Teve uma boa repercussão, não pela revista em si, mas pela organização investida que fizemos ao abrirmos uma empresa editora com CNPJ e tudo, além de uma loja virtual para a venda da revista. A coisa não fluiu como esperávamos por termos um trabalho que não teve uma aceitação maciça. Ou seja, qualquer empresa que lance um primeiro produto tem que dar certo; No nosso caso houve uma comoção a ponto de nos render uma matéria para TV TEM, afiliada Rede Globo de nossa região que passou a matéria num sábado a tarde. Assista o video aqui.
Tivemos um grande numero de acesso ao site, mas nosso produto não vendeu como esperávamos. Hoje eu consigo ver o quanto meus desenhos eram horríveis naquele trabalho. A ideia era ótima, mas nos faltou termos estudado mais. O certo é que os cinco anos em que trabalhei no projeto me fez entender que era no mundo dos quadrinhos em que eu queria estar. Uma solução viável para o mercado brasileiro é você estudar o mercado. As Webcomics podem dar certo se tiver um conjunto de elementos que consiga prender a atenção do leitor. E isso começa com uma boa História, com uma boa arte (Uma boa arte estou incluindo uma boa narrativa também) e é lógico, com uma boa navegação e interação.
PBS: Uma polêmica que persiste no meio dos quadrinhos aqui no Brasil é se vale a pena fazer quadrinhos de Super-Heróis em nossa realidade, já que temos a concorrência do material de fora, o que precisa para isto dar certo?
Elias Martins: Eu acho difícil concorrer com o mercado americano nesse nicho. A não ser que seja algo realmente bom. Senão, não funciona. Os estados Unidos criaram esse mercado. Lá existem centenas de Super Heróis dos mais variados tipos, e uma centena de copias dos mesmos. Então eles serão sempre referencia no assunto.
PBS: Todo desenhista tem sua jornada particular rumo ao profissionalismo, mas se fosse para criar uma espécie de “Kit de sobrevivência” para quem quer se aventurar no mercado profissional de quadrinhos, o que seria essencial física e metafisicamente falando?
Elias Martins: Em todo tempo que trabalhei com os quadrinhos eu já estava casado, tinha uma filha e um emprego. Isso significava que eu tinha pessoas que dependiam de mim, das minhas atitudes. Não podia simplesmente abandonar meu emprego e pular de cabeça em um universo totalmente novo e levar elas comigo. As contas sempre chegam até você para te lembrar de que elas devem ser pagas. Eu trabalhava na recepção de um Hotel e isso me permitia desenhar no trabalho nos dias em que o movimento estava mais devagar. Meu patrão sempre soube e me apoiou e isso se seguiu por anos. Um dia comecei a ter problemas de saúde. Já estava há doze anos na empresa e ao procurar o medico ele me disse que eu deveria procurar um novo emprego. Então isso me deu argumentos e força para que eu viesse a sair da empresa para trabalhar com quadrinhos. Mais uma vez tive a aceitação e apoio de meu patrão, parentes e amigos.
Pra quem sonha entrar no mundo dos quadrinhos, Uma boa sugestão é desenhar sempre. Se possível todos os dias. Não importa onde, seja na hora do almoço do trabalho, na fila do banco ou sentado em um consultório medico. Não precisa ser numa folha A3. Qualquer bloco de rascunho é o suficiente para praticar.
PBS: Valeu Elias! Esperamos que tenham gostado deste primeiro Fala Ai, até a próxima.
Sobre o Autor
É Bacharel em Psicologia, porém optou por sua grande paixão trabalhando como ilustrador e quadrinhista. É sócio do Pencil Blue Studio e Ponto Zero, podendo assim viver e falar do que gosta: quadrinhos, cinema, séries de TV e literatura.