75 anos é uma boa idade, você aprende muito, se constrói e constrói um mundo ao seu redor, com 75 anos você já pode ter uma penca de filhos, netos e bisnetos… no meio desse caminho, com certeza você esbarrou com Kal-El, o Superman, o último filho de Krypton.
A história do Superman é sobre isso, construção, a do mundo ao seu redor e de si mesmo neste mundo. Pois é, 75 anos, essa é a idade do primeiro super-herói criado para as comics americanas.
Em 1938, nas páginas de Action Comics 1 (AC1) o personagem estreava a primeira HQ completamente inédita no mercado americano, dando assim origem ao gênero dos super-heróis, pois até então, as HQs da época se resumiam a complilações de tiras de jornais.
Criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, ambos de ascendência judia, o personagem ainda não possuía todos os seus atuais poderes, seu voo era um grande pulo e sua fraqueza, a Kryptonita, ainda não constava em sua mitologia até então, seus inimigos eram do cenário urbano das cidades americanas pós-depressão: gangsters, ladrões, violência doméstica e outros tipos de perigos da cidade grande. Siegel e Shuster experimentaram, testaram e criaram outros personagens antes de alcançarem o personagem que estreou em AC1.
Nascido em Krypton, batizado Kal-lel, enviado à Terra antes do fim de seu mundo, criado por Jonathan e Martha Kent em Smallville, no interior do Kansas, mudou-se para Metrópolis, virou renomado jornalista no Planeta Diário, apaixonou-se por Lois Lane, tornou-se um herói mundialmente conhecido, tem poderes quase divinos e no entanto tem o coração bondoso de homem do interior, morreu, ressuscitou, ficou elétrico, sem poderes, viajou por diversos mundos e enfrentou outros seres cujos poderes eram tão divinos quanto os seus, no entanto de caráter e índole despótica, tudo em 75 anos bem vividos.
O mais nobre de todos os super-heróis a caminhar entre os humanos. Simplesmente um super-homem no corpo e na mente.
Oportunamente, “Homem de Aço”, mais atual filme do personagem, estreou cercado de expectativas e dúvidas. Com um mercado inflado de adaptações de todo tipo e por todos os lados, o filme dividiu opiniões e gerou discussões de todo tipo e teor, das mais filosóficas até as mais rasteiras e imbeciloides.
Dirigido por Zack Snyder, o longo reapresenta a origem do personagem para novos tempos, tendo como base algumas leituras canonicas do personagem ao logo de seus 75 anos, bem como tirando material da atual fase pós-reboot das HQs da DC Comics, a mais emblemática das mudanças é evidente no novo uniforme.
No entanto, antes de qualquer visão particularizada sobre o filme, é de fundamental importância lançar um olhar para o próprio Superman em sua essência inicial lá no distante ano de 1938 e nos anos e décadas seguintes.
Repleto de ação e efeitos especiais, “Homem de Aço” é um filme de força e de vigor exatamente como eram as primeiras aventuras do homem de aço, o perfeito retrato disso é a capa de AC1 quando o personagem ergue um carro para espatifá-lo contra uma rocha.
Tudo no novo filme reflete e reporta algum paralelo com alguma situação já vivida nas hqs, ou então a alguma das muitas metáforas associadas ao personagem desde sua primeira aparição. O leitor e conhecedor do personagem vai encontrar muito disso espalhado por lá.
Acima de tudo “Homem de Aço” é um filme que olha para o poder patriarcal, que olha para o poder das heranças que nos são deixadas, é um filme que diz para você contemplar o que você é e o que pode se tornar.
E também, por que não dizer, que é um filme que olha para as relações estabelecidas entre domínio e dominadores, entre fortes e fracos, entre moral e ausência dela. O subtexto do filme recorre ao que está marcado na própria história do Superman e seus inúmeros subtextos, alguns deles propositalmente criados, outros construídos pelo caminho e pelos inúmeros autores a emprestarem sua visão a respeito do Superman.
Da metáfora da diáspora dos judeus pelo mundo comparada ao exilado Kal-El de Krypton, ao desejo e anseio dos jovens excluídos por serem diferentes comparadas ao tímido e introspectivo Clark Kent, da ansia por um salvador ao ser estranho que, criado entre nós, acaba sendo o melhor dos humanos, passando pelo caipira do interior dos EUA ao grande jornalista da metrópole moderna, do amor pela perfeição a rejeição pela fraqueza e timidez.
Está tudo lá e mais um pouco, muito disso criado pelos dois jovens nerds Sigel e Shuster, fãs incondicionais de sci-fi de todo tipo, não à toa, Superman é um personagem próprio do gênero sci-fi.
Mas também é o herói das massas proletariadas, das massas oprimidas num EUA pós-depressão de 1929, com um mundo ao redor em transformação acelerada e rumando para uma nova grande guerra alguns anos depois.
Por isso mesmo Superman é um herói ligado a luz solar de onde tira a energia que abastece seus vastos poderes… o mundo precisava de um campeão de luz, e ele veio na forma de diversão e fuga da realidade através do entretenimento que a população americana ansiava nos anos pós-depressão.
A partir de AC1 nasceu o que se podia chamar de gênero de super-herói nas comics, guiados pelo sucesso do personagem de Siegel e Shuster, nascia toda uma mitologia e todo um culto ao uniforme colorido, capas, aos personagens de dupla identidade, aos seres quase divinos inspirados pelos deuses gregos da antiguidade.
Hércules, Hades, Mercúrio, Zerus, Apolo, Athenas e tantos outros são o piso de base para o nascimento de um novo panteão de novas divindades a serem adoradas e idolatradas pelos humanos. Nasceu a era de ouro das comics quando nasceu sua primeira cria vinda diretamente de Krypton.
Por esses e outros motivos Superman é um personagem que merece respeito, merece um olhar cuidadoso, seja você fã ou não do que ele é ou representa, é inegável a influência histórica, contextual e conceitual do personagem para toda a cultura pop.
Vindo da inspiração dos deuses gregos, passando pelos halterofilistas circenses até as metáforas mais recentes com a cultura cristã, Superman é um objeto de estudo em constante construção, datado para uns, necessário para outros, o velho homem de aço veio, viu e venceu.
Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.