O Cine PZ Play é um espaço para falarmos de filmes que por algum motivo perdemos nos cinemas, ou foram direto para o mercado de Home Vídeo, ou estão na TV a cabo ou nos catálogos de serviços de streaming. Obras que independem do ano de produção, mas que merecem ser vistas ou revistas, sim clássicos estarão por aqui também, no final esta coluna vem somar forças no intuito de vislumbrarmos cada vez mais o universo da sétima arte.
Título Genérico
[dropcap size=small]C[/dropcap]açada Mortal, compartilha em seu título a essência de varias produções onde um título genérico num primeiro momento, com um olhar mais apressado, pode te afastar da mesma, dificilmente você dará atenção se tiver outras opções mais emblemáticas a disposição. Porém esta película conta com um trunfo chamado Lian Neeson.
Lian Neeson faz parte daquele seleto grupo de atores que emprestam credibilidade a mais obscura das obras, ao constatarmos sua presença nos créditos de qualquer filme ele implanta aquele lampejo de curiosidade que te prende e impulsiona a dar uma conferida pra ver o que este cara está fazendo em um filme com um nome destes. Claro que o nome em inglês não tem nada haver com isso, Caçada Mortal foi à solução encontrada no Brasil para (no original A Walk Among The Tombstones | algo como Uma Caminhada entre as Lápides), mas enfim é Neeson então vale dar uma arriscada.
Heróis não tem idade
Neeson deu uma guinada em sua careira depois de Taken/Busca Implacável que já conta com três filmes. Em 2008 quando o primeiro filme da franquia estreou lançando o já quase sessentão como um astro de filmes de ação, acabou surpreendendo muita gente, mostrando que pra ser foda não importa a idade. A fórmula deu tão certo que o gigante Neeson, dos altos de seus 1,93 m, mostrou que é bom não irrita-lo, pois caso contrário o bicho vai pegar.
Porém Caçada Mortal (A Walk Among The Tombstones) foge a esta regra ao apresentar um filme com características noir, com uma atmosfera densa, cenas violentas, câmeras com planos inusitados e um ritmo mais investigativo, cenários urbanos e outro clichês do gênero. Quem espera ver um Neeson na pele de Bryan Mills resolvendo tudo com pancadarias espetaculares, esqueça aqui tudo é mais realista e cru, o personagem de Lian Neeson usa mais o cérebro do que os punhos.
Na película Matthew Scudder/ Neeson é um ex-policial e alcoólatra em remissão que vira investigador particular e acaba se envolvendo em uma trama onde um chefão criminoso de Nova Iorque teve sua esposa sequestrada e morta, o mesmo acaba contratando os serviços de Scudder, o caso envolto em muitos fatos obscuros sofre reviravoltas interessantes, e ainda por cima com direito a um “sidekick” para Scudder, o jovem T.J. (vivido pelo rapper Astro, Brian Bradley) que vai ajudar o velho detetive nas investigações e apresenta-lo ao mundo da tecnologia, já que o garoto é uma espécie de hacker dos anos 90 onde a internet começava a se popularizar e vivia a apreensão do Bug do Milênio, já que a trama se inicia em 1991 e da um salto para se desenrolar em 1999.
Paranóia moderna
Na primeira metade do filme várias vezes um fato é evidenciado, o chamado Bug do Milênio. Na época era uma espécie de prenuncio do “fim dos tempos”, modernos.
Na virada de 1999 para 2000 era esperada uma falha nos sistemas informatizados do mundo todo, pois os sistemas desenvolvidos no século XX guardavam e interpretavam as datas com apenas 2 digitos no ano.
Sendo assim depois do ano de 99, viria o 00, que as máquinas interpretariam como 1900 ou 19100, e não 2000. Os temores com esta falha ou Bug, eram os mais variados, já que iriam interferir nos mais diversos setores da vida.
Eram esperados coisas como: falhas em usinas nucleares com vazamento de material radioativo; cofres e cadeados controlados por computador com a falha deixariam patrimônios desprotegidos; colapso nos sistemas bancários quebrando a economia com a perda dos dados dos clientes; colapso no sistema de água e luz dos países desenvolvidos que já era informatizado, trazendo trevas e caos para as cidades e população; colapso em trens e metro todos informatizados; queda de aeronaves…
O Bug do Milênio causou um certo temor e apreensão que nos EUA pessoas até chegaram a estocar alimentos com medo dos efeitos que o Bug traria para a economia.
No final não ocorreu praticamente nada, algumas pequenas falhas em poucos países sem consequências graves e efetivas, já que muitos computadores na época já vinham com um sistema de datas com quatro dígitos, mostrando-se no final um medo infundado gerado por ignorância e especulação, mesmo assim que resultou em gastos de bilhões em medidas preventivas no mundo todo.
Um trabalho competente
Caçada Mortal é escrito e dirigido por Scott Frank com extrema competência, ele mostra logo a que veio com a cena inicial onde vemos planos pra lá de inventivos guardando inúmeras surpresas ao expectador nesta emblemática abertura e no decorrer da película, outro ponto inspirado no gênero noir. Scott Frank tem créditos como roteirista em obras como O Nome do Jogo, Minority Report – A Nova Lei, A Intérprete, O Vigia, Wolverine: Imortal, Marley & Eu e o inédito Assassin’s Creed.
O filme é uma adaptação de um dos livros de Lawrence Block, publicado em 1992, sendo que existem 17 livros sobre o intrépido investigador particular, e um destes já havia sido levado às telas em 1986 onde Jeff Bridges vive Matthew Scudder em Morrer Mil Vezes, contudo o filme dirigido por Hal Ashby foi um fiasco.
Outro ponto forte da obra é sua atmosfera sombria, isto fica por cargo da bela fotografia a cargo de Mihai Malaimare Jr. que trás ate nós uma Nova York escura, indiferente, onde uma paleta em tons de cinza permeiam as cenas diurnas, já as sombras dominam as cenas noturnas, esta ambientação atraz um contexto desesperançoso para a película.
Porém nem tudo funciona tão bem em Caçada Mortal, o filme apresenta um grande problema que depõem contra a boa trama que vinha sendo construída, ao apresentar os vilões responsáveis pelos assassinatos, uma dupla de psicopatas vivida por Adam David Thompson e David Harbour, que deveriam ter umas aulas com Hannibal Lecter pra realmente aprenderem a serem ameaçadores.
A dupla de assassinos acaba sendo mostrados de forma superficial, sem carisma algum e até mesmo de forma caricata, os mesmos apresentam motivações pouco aprofundadas e convincentes, um ponto que deveria ter sido trabalhado com esmero no roteiro, pois geralmente neste tipo de obra os vilões são a alma do filme, contudo o tiro sai pela culatra o que acaba comprometendo o desenvolvimento da metade final da trama.
Uma curiosidade é que mesmo com a ambientação noir, Caçada Mortal abre mão de um dos clichês mais emblemáticos ao estilo noir que é a presença de uma femme fatale, tornando a jornada mais árida e deixando incompleta a homenagem ao gênero que permeia a obra.
Caçada Mortal é um filme relativamente simples e objetivo que parte de vários clichês recorrentes ao gênero que usa como inspiração, com uma trama com elementos interessantes e que encontrou em alguns personagens bem estruturados um ponto forte, que mesmo sem terem suas abordagens tão aprofundadas, ajudam no desenrolar dos fatos de forma eficiente, transformando a película em uma jornada agradável para quem quer passar algumas horas na frente da tela assistindo a um competente thriller investigativo.
Para quem curte o gênero noir, sobretudo na Literatura Policial das primeiras décadas do século XX, já falamos sobre “A Dama do Lago” do celebrado escritor americano Raymond Chandler AQUI.
[divider]Trailer[/divider]
FICHA TÉCNICA
Título Original: A Walk Among the Tombstones
Direção e Roteiro: Scott Frank
Elenco: Liam Neeson, Maurice Compte, Patrick McDade, Luciano Acuna Jr., Hans Marrero, Laura Birn, David Harbour, Adam David Thompson, Kim Rosen
Produção Executiva: Kate Bacon, Guy East, John W. Hyde, Tracy Krohn, Mark Mallouk, Peter Mallouk, Kerry Orent, Lauren Selig, Adi Shankar, Spencer Silna, Nigel Sinclair, Tyler Thompson, Richard Toussaint
Produção: Tobin Armbrust, Danny DeVito, Brian Oliver, Michael Shamberg, Stacey Sher
País: EUA
Ano: 2014
Sobre o Autor
É Bacharel em Psicologia, porém optou por sua grande paixão trabalhando como ilustrador e quadrinhista. É sócio do Pencil Blue Studio e Ponto Zero, podendo assim viver e falar do que gosta: quadrinhos, cinema, séries de TV e literatura.