Em 2013 um filme despretensioso chega aos cinemas e provoca verdadeiro furor, trazendo sangue novo e fôlego renovado às saturadas pradarias do terror, Invocação do Mal (The Conjuring), não era a reinvenção do gênero, tampouco trouxe inovações contundentes, porém revisitou clichês de forma elegante, e tinha na assinatura de James Wan (Jogos Mortais, Sobrenatural) seu grande trunfo. O diretor malaio fez um convite aos expectadores a voltar a caminhar de forma mais intima e cuidadosa em um terreno que parecia não poder mais propiciar grandes surpresas.
Com uma direção requintada, câmeras intimistas e que nos traziam para o contexto da casa dos Perron como se fossemos um deles, ele devolveu este tom de cumplicidade e intimidade que nos fez sofrer e temer junto com a família assombrada por forças do mal, logo se tornou um sucesso incontestável mundo afora.
Queremos mais
[dropcap size=small]O[/dropcap] sucesso conquistado por Invocação do Mal (veja nossa resenha AQUI) gerou expectativas colossais na continuação da franquia, no hiato entre o primeiro e o segundo filme, acabou naturalmente surgindo um spin off, no caso o não tão contundente Anabelle, afinal o elemento primordial ao sucesso do filme original não estava na fórmula, James Wan apenas produziu a película.
2016, Invocação do Mal 2 chega aos cinemas com uma carga de expectativas elevadíssimas, afinal Wan conseguiria repetir a proeza de 2013?
Bem, a resposta é um estrondoso sim! Não só conseguiu como entregou um material ainda mais refinado esteticamente, com uma parte técnica irrepreensível, figurinos e reconstituição de época impecáveis, somado a uma câmera mais precisa que nunca, direcionando nosso olhar de forma eficiente sempre na iminência de um encontro pavoroso com o sobrenatural.
A história do novo filme acompanha Ed e Lorraine Warren, vividos novamente por Patrick Wilson e Vera Farmiga, que após sete anos dos eventos ocorridos com a família Perron, são agora chamados pela igreja para averiguar a veracidade de estranhos acontecimentos que atingem a família Hodgson em Londres.
Um caso também “baseado em fatos reais” no qual uma adolescente que mora em uma casa no bairro de Enfield estaria sendo possuída e atormentado por um poltergeist (termo de origem alemã, formado a partir da junção das palavras polter, que significa “barulho”, “bagunça” ou “desordem”; e geist, que quer dizer “espírito” ou “fantasma”).
Invocação do mal 2 opta por manter o status quo da produção inicial, afinal, se a fórmula utilizada anteriormente comprovou ser um sucesso, não há porque altera-la. Recorrendo novamente a clichês onde a estrutura se alicerça em elementos utilizados na maioria das histórias que abordam as famigeradas casas mal-assombradas, temos os Hodgson que são a típica família onde estes fenômenos podem acontecer, uma mãe que cuida sozinha de quatro filhos e que passa por dificuldades tanto emocionais, pela separação, como pela falta de recursos financeiros.
Uma família fragilizada ao extremo com baixa autoestima, alvo perfeito para forças sobrenaturais agirem, elemento recorrente nos roteiros destas produções, eles são apresentados de forma pitoresca, apesar de tantas dificuldades, não tem como o espectador não ter empatia pela doce e frágil família que esta no epicentro de acontecimentos tão pavorosos.
O uso de jumpscares (combinação de um ruído forte com uma imagem que aparece repentinamente na tela), mesmo sendo um elemento que alguns fãs de terror acham banal, funciona muito bem em Invocação do Mal 2.
Porém a película vai além disso, pois não se restringe apenas a maneira como são arquitetados os sustos e clichês, onde móveis se deslocam sozinhos, ou o uso dos recorrentes ruídos nas paredes e é claro a garota possuída falando com uma voz demoníaca, temos o complemento de toda esta fórmula em James Wan que com sua câmera estica ao máximo os momentos de tensão, mesmo que saibamos que algo esta prestes a acontecer, a atmosfera de suspense atrelada ao susto eminente nos deixa grudados na poltrona para logo em seguida nos entregar momentos de pura catarse, e furtivamente nos pegamos nos ajeitando na sala do cinema e olhando ao redor desconfiados para ver se alguém mais foi chacoalhado na poltrona.
A da casa dos Hodgson é outro ponto de destaque, a ambientação desgastada e cheia de sombras torna tudo melancólico e sombrio, Wan e sua equipe técnica capricharam nesta nova produção entregando uma obra visualmente bela e requintada, com uma fotografia poderosa e cenografia extremamente rica onde os designers de produção reconstituem em detalhes a atmosfera da Inglaterra nos anos 70.
Tudo bem orquestrado
No novo filme que continua a jornada do casal Warren pelo mundo sobrenatural, tudo é ajustado de forma que nos leve a acompanhar com atenção o desenrolar da trama e os caminhos através da bela condução de câmera de Wan que vai alinhavando camadas e ritmos distintos que conseguem nos entregar momentos de puro horror, mas que também, alivia em algumas passagens e nos brindam com cenas de alívio cômico ligados as ações do poltergeist que assombra a casa dos Hodgson,Invocação do Mal 2 funciona de forma clara, simples e agradável.
Um dos grandes trunfos de Invocação do Mal 2, além é claro de Wan, são seus personagens principais Ed e Lorraine Warrem, são carisma puro, ao vermos o filme a sensação que fica é de reencontrar velhos amigos, o magnetismo de Vera Farmiga e Patrick Wilson é tão grande que alicerça e amplifica de forma poderosa a relação de cumplicidade do casal, transformando o relacionamento deles em algo palpável e real e que garante que sua ligação é poderosa o suficiente para resistir às forças demoníacas que terão que enfrentar.
Não poderíamos deixar de destacar a excelente atuação de Madison Wolfe (Janet), a filha dos Hodgson mais afetada pelos pavorosos fenômenos do caso Enfield. Ela segura de forma convincente todas as cenas nas quais aparece, onde esbanja talento na verdadeira montanha russa de emoções e sustos que nós é apresentada em Invocação do Mal 2, Madison nos convence nos mínimos detalhes trazendo profundidade a personagem sem torna-la caricata ou canastrona, algo fácil de acontecer com interpretações neste gênero de produção.
O casal Warren esta mais que sintonizado, porém Lorraine teme que esta união seja abalada por premonições que a perseguem e mostram um futuro terrível para os Warren, isso fica evidente no pequeno vislumbre que temos do caso de Amityville, um prólogo nos moldes de Annabelle no primeiro filme, onde eles tem um encontro com forças demoníacas poderosas e que vão perseguir o casal de forma angustiante, com isso já antevemos um final de tirar o fôlego para esta segunda película.
É visível em Ed e Lorraine o preço cobrado pelos anos envolvidos com o sobrenatural, mesmo que seus laços sejam fortes o prenuncio de um novo caso parece dividir a opinião do casal em ingressar nesta nova empreitada.
Vera Farmiga esta deslumbrante em seu papel de Lorraine Warren, com sutileza ela entrega uma mulher atormentada por suas habilidades sensitivas e seu envolvimento com o mundo sobrenatural, contudo disposta a enfrentar estes eventos para proteger e auxiliar quem precisa, apesar de seus medos e dúvidas; enquanto Patrick Wilson como Ed é o típico cara gente boa, que você faz amizade rápido e esta sempre disposto a acreditar e ajudar aos outros.
Invocação do Mal 2 é um filme de sutilezas como a terna cena onde Ed toca Elvis “Can´t Help Falling In Love” para entreter e confortar a família Hodgson, vemos com estes momentos a importância da família na trajetória de qualquer ser humano, e quanto mais o filme se aprofunda observamos a riqueza de detalhes que compõem a relação e força do casal Warren como no apaixonado olhar de Lorraine vendo Ed propiciar um momento de alegria para a desgastada e atormentada família.
As criaturas vistas em Invocação do Mal 2 são um capítulo a parte, no primeiro filme a obra optou por ser menos explicita aqui, temos inúmeras criaturas que rondam os Hodgson, como o fantasma de um velho que parece estar enfurecido com os moradores da casa, e os destaques para a “freira demônio” (esta incluída nos últimos três meses, nas refilmagens, originalmente a nova ameaça seria uma figura masculina com chifres) e o “Crooked Man” (Homem Torto), este saído de alguma fábula de terror, com visuais bem elaborados dão peso a galeria de fantasmas e demônios que os Warren enfrentam, mostrando a visão afiada da equipe de design e efeitos visuais do novo filme.
Esta nova empreitada é um exemplo de que continuações podem e devem ser boas, basta caprichar e investir no projeto, mesmo seguindo fórmulas preestabelecidas Invocação do Mal 2 é um produto equilibrado, elegante e refinado entregando uma experiência que vale o ingresso, James Wan sem dúvida alguma é um virtuoso e versátil diretor sabendo usar muito bem suas qualidades técnicas para imprimir vigor a uma obra.
Baseado em Fatos Não Tão Reais
O caso do Poltergeist de Enfield é um dos casos mais bem documentados sobre registro de atividades paranormal jamais visto. Contudo quando o filme Invocação do Mal 2 utiliza a perturbadora e magnética frase “baseado em fatos reais” aqui abre-se um precedente para questionamentos.
É sabido que os Warren tem documentados cerca de 10 mil investigações desde possessões demoníacas, incluindo “poltergeists’’ e chegando as famosas casas mal-assombradas, nesta categoria se inclui um dos mais famosos casos do gênero o assombros caso de Amityville (1974 e 1975). O caso de Amityville é visto no prólogo de Invocação do Mal 2, contudo se os Warren participaram de um caso tão famoso por que não adaptá-lo?
O problema reside no fato de que a Warner Bros e New Line estão sendo processadas por conta de direitos autorais, onde Evergreen Media Group e o produtor Tony DeRosa-Grund, que possuem os direitos aos arquivos dos investigadores paranormais Ed e Lorraine Warren tentam impedir sequências destes materiais. O que fora licenciado a Warner e New Line é uma parcela ínfima de casos, 25 para ser mais preciso, para novas produções a Warner teria que pagar por cada novo caso e ainda ter atrelado Tony DeRosa-Grund como produtor destes projetos.
Sendo assim a Warner usou como estratégia adaptar livremente o caso do Poltergeist de Enfield, um caso em que Ed e Lorraine Warren não tiveram participação, sendo relatado apenas que teriam ido à Inglaterra/Enfield por conta própria e ficado apenas uma noite no local dos fatos, e para piorar posteriormente forjando relatos de suas investigações sobre este caso. O investigador paranormal Maurice Grosse (Simon McBurney no longa), foi o principal investigador junto com o parapsicólogo Guy Lyon Playfair, que documentaram por anos o referido caso.
Um dos poucos registros da controversa participação do casal no caso Enfield esta no livro O Demonologista escrito por Gerald Brittle, que faz breves citações ao envolvimento dos Warren no caso do Poltergeist de Enfield.
Mais casos demoníacos
Por esta série de problemas que gravitam ao redor dos direitos de produção dos registros dos casos do casal Warren, e pela escolha por trazer um caso livremente inspirado, onde sequer os Warren tiveram relevância ou participação, fica claro que os rumos dos novos casos estarão cada vez mais distantes dos relatos dos Warren da vida real, não que isso seja realmente um demérito, pois a nova mitologia proposta é muito boa, contudo um saldo negativo fica nesta jornada, com toda certeza não veremos Amityville pelas mãos de James Wan, até porque brevemente uma nova versão estará nas telas do mundo todo, Amityville: The Awakening tem data de estreia confirmada para janeiro de 2017.
Invocação do Mal 2 é um sucesso de bilheteria e rentabilidade, graças ao seu baixo custo diante de outras produções atuais em Hollywood. O longa já faturou US$ 96,6 milhões só nos EUA, se compararmos com seu baixo custo de produção de US$ 40 milhões, mostra-se bem rentável para os cofres do estúdio, sendo que o mesmo ainda estava nas telas dos cinemas americanos quando esta resenha foi feita.
Isto tudo ainda soma-se ao belo panorama que a franquia promoveu tendo já garantido Annabelle 2, com James Wan na produção, marcado para estrear 18 de maio de 2017, ainda teremos mais um spinoff da franquia com A Freira demoníaca Valak (The Nun) com previsão de estreia nos cinemas em Outubro de 2017, tendo James Wan e Peter Safran como produtores. E para arrematar esta nova rodada Invocação do Mal 3 com data de estreia prevista para 2018. James Wan disse que gostaria de estar na direção, porém depende de uma brecha em sua concorrida agenda!
[divider]Fotos do caso real[/divider]
Invocação do Mal 2 só prova que bons produtos podem sair mesmo de gêneros cansados e repletos de clichês, confirma também, que James Wan, talvez ainda não mereça a precipitada alcunha de gênio, mas com certeza absoluta é um diretor virtuoso e com uma assinatura que confere a aura de qualidade imediata a uma produção dirigida por ele. Com os novos filmes a caminho os fãs de terror só podem agradecer e torcer por produções com o mesmo capricho e apuro que a franquia The Conjuring vem nos presenteado!
[divider]O Trailer[/divider]
Sobre o Autor
É Bacharel em Psicologia, porém optou por sua grande paixão trabalhando como ilustrador e quadrinhista. É sócio do Pencil Blue Studio e Ponto Zero, podendo assim viver e falar do que gosta: quadrinhos, cinema, séries de TV e literatura.