Post

FILME | MAIS ESTRANHO QUE A FICÇÃO

Cine PZ IIO Cine PZ Play é um espaço para falarmos de filmes que por algum motivo perdemos nos cinemas, foram direto para o mercado de Home Vídeo, estão na TV a cabo ou nos catálogos de serviços de streaming. Obras que independem do ano de produção, mas que merecem ser vistas ou revistas, sim clássicos estarão por aqui também, no final esta coluna vem somar forças no intuito de vislumbrarmos cada vez mais o universo da sétima arte.

Mais Estranho que a Ficção (Stranger Than Fiction, 2006) – Direção: Marc Forster – Roteiro: Zach Helm – Elenco: Will Ferrell; Maggie Gyllenhaal; Dustin Hoffman; Queen Latifah; Emma Thompson.

[dropcap size=small]D[/dropcap]epois de anos indo aos cinemas, às locadoras, perdendo noites de sono pra rever filmes, aprendi a identificar uma classe de filmes que gosto de chamar de “Halley”: são aqueles filmes tão bons, com ideias e histórias tão originais, que provavelmente só aparecem a cada 70 anos. Hoje, me peguei revendo um desses: Mais Estranho que a Ficção.

filme mais estranho que a ficçãoNessa comédia dramática, temos Harold Crick – interpretado pelo surpreendente Will Ferrell –, um auditor da Receita Federal estadunidense que vive a vida contando as escovadas nos dentes, os passos até a parada de ônibus, e os ajustes no relógio de pulso, sem qualquer expressão ou ousadia, sempre mantendo-se na rotina. Melhor dizendo, ele não vive: ele meramente existe.

E assim ele segue, até o dia em que a sua rotina é subitamente quebrada: Harold começa a escutar uma voz narrando sua vida e todos os seus movimentos. Como se não fosse “estranho” o suficiente, a voz lhe surpreende com a notícia de que “a sua morte está iminente”.

Harold, então, tem sua primeira reação humana – a de desespero com a possível morte iminente – e começa a buscar de onde vem “a voz”. A dona da voz é Karen Eiffel – trazida à vida pela sempre incrível Emma Thompson –, uma escritora claramente desiludida e deprimida, que é conhecida por, ao final dos seus livros, matar todos os protagonistas de forma trágica. E para maior desespero de Harold, ele descobre que é o protagonista do novo livro dela, em andamento. Deu pra sentir a genialidade?

O filme acerta em muitos sentidos. O primeiro deles, já mencionei: a história é original em proporções homéricas. Em um estágio do cinema onde dificilmente se veem ideias novas e originais, é sempre incrível quando nos deparamos com algo inventivo, que nos deixa com aquela pergunta: de onde o roteirista tirou isso?

Falando em roteirista: Zach Helm fez um excelente trabalho na criação e no desenvolvimento da história, ao escrever o roteiro do filme. Helm, mais conhecido por escrever peças teatrais, surpreendeu no seu primeiro roteiro transformado em filme – o roteiro de A Loja Mágica de Brinquedos, apesar de ter sido escrito antes, só virou filme em 2007, um ano depois. A forma como Helm traz vários detalhes à história, os desenvolve pouco a pouco diante dos nossos olhos, sem nem sequer entregar o porquê de estarem ali antes do final, quando ele nos surpreende fechando todas as pontas soltas, é simplesmente deslumbrante.

filme mais estranho que a ficção

Marc Forster, o diretor, guia o roteiro de Helm com excelência. A tarefa de encaixar os diálogos em cena é bem exercida, ajudando a prender quem assiste ao filme em um mar de ansiedade. Conhecido por dirigir 007 – Quantum of Solace, Guerra Mundial Z e O Caçador de Pipas, Forster demonstra no filme um dos seus melhores trabalhos – em disputa direta com Em Busca da Terra do Nunca e A Última Ceia, seus melhores trabalhos na direção.

Mas de nada adiantaria tantos pontos bons, se não tivéssemos o espetáculo de atuação do elenco nesse filme.

No elenco principal, temos duas indicadas ao Oscar – Maggie Gyllenhaal e Queen Latifah – que sempre arrasam em cena, e que mais uma vez, trabalharam à altura dos seus nomes. Gyllenhaal é o contraposto perfeito ao protagonista, encaixando bem como seu interesse amoroso. Latifah possui a tarefa de interagir com a personagem mais difícil do filme, a escritora, e consegue lidar com ela ao mesmo tempo que tenta melhorá-la de todas as formas possíveis, de uma forma motivacional que nunca vimos Latifah fazer.

Além das duas, temos também dois vencedores do Oscar que dispensam quaisquer apresentações: Dustin Hoffman e Emma Thompson. Hoffman, um professor de literatura, serve não só como fonte cômica do filme, mas é o elo de ligação para ajudar Harold a encontrar Karen, sua narradora. E falando em Karen, Emma Thompson é uma escritora anti-social que mata seus protagonistas. E tem sotaque britânico. Não tem como ser melhor que isso.

E chegamos nele: Will Ferrell. Um comediante nato, enfrenta um papel completamente dramático. E como outros da mesma linha, como Paul Rudd e Steve Carell, que vieram depois dele, Ferrell não deixa a desejar e nos dá uma das melhores atuações – se não, a melhor – de toda a sua carreira. Um homem meramente mundano, ao enfrentar o maior medo da humanidade, reacende a maior chama que pode existir dentro de nós: a chama de viver. E ver isso acontecer em cena é incrível.

Ferrell faz isso de um jeito que só ele conseguiria, e conseguiu. Não é pra menos: o show em cena lhe garantiu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor ator em um filme de comédia ou musical.

A mensagem do filme é simples: a vida não é contar as voltas que temos que dar pra acertar o relógio, e sim, é perder a conta dessas voltas. Mas, passar a mensagem é fácil. Difícil é encontrar um jeito original de passar essa mensagem. Mais Estranho que a Ficção consegue fazer os dois: passar a mensagem de uma forma “Halley”. E que provavelmente só veremos parecido – mas não igual – daqui a uns 70 anos.

[divider]DADOS NO IMDB[/divider]

[imdb id=tt0420223]

 

Sobre o Autor

+ posts

Um ajudante de super-herói perdido em Tatooine, com várias pedras de metanfetamina.

2918 views