Em Geena – Eles voltaram, livro do autor brasileiro Geraldo Medeiros Jr., publicado pela Edições Alfa do Cruzeiro, somos convidados pelo autor a conhecer um mundo que se vê assolado pelo milagre da ressurreição dos mortos em escala mundial.
O estranho fenômeno visto com espanto, horror, descrença, fé e medo pelos humanos normais não tardou a causar todo tipo de reação por parte tanto das autoridades quanto por parte dos civis.
O mundo se divide entre os que querem de volta seus entes queridos e aqueles que, corruptos como sempre, não perderiam a oportunidade de tirar vantagem da situação dos ressuscitados que, após a volta da morte, retornaram calmos e destituídos de qualquer aspecto agressivo ou violento.
Também dotados da capacidade de regeneração acelerada, todos os ressuscitados passaram a ser alvos de traficantes de órgãos que se aproveitavam da regeneração para criar um lucrativo mercado de tráfico de órgãos.
Nosso governo ao lado da Agência de Coordenação e Controle dos Ressuscitados – ACCR, também não tardou a se aproveitar da situação problemática para gerar lucro e expandir sua zona de influência pela perspectiva de Orozimbo Dias, presidente do país que ascendeu ao poder através de manobras questionáveis e discursos populistas.
Misto de distopia, relato apocalíptico e eventos de magnitude mística, Geena nos leva ao lado do Dr. Rui Montenegro por uma história detalhada pelos meandros do coração da humanidade e do que há de pior dentro dele.
Alegoria do estado atual da humanidade e de seus comportamentos perniciosos, o livro de Medeiros empurra contra nós reflexões de toda ordem para o leitor.
E nós aqui no PZ batemos um papo com o autor de mais uma obra interessante no cada vez mais concorrido mercado nacional de ficção.
- PZ – Olá Geraldo, tudo bem? Seja bem-vindo ao PZ, é uma grande satisfação realizar essa entrevista. Geraldo, para começarmos fale um pouco da sua visão atual do mercado brasileiro do ponto de vista do autor que já tem material publicado. O que você vê de diferente hoje para quando começou sua aventura pela escrita fictícia?
R.: Primeiramente agradeço a oportunidade de estar aqui com vocês. É sempre prazeroso poder falar daquilo que mais gosto de fazer. Bem, o mercado editorial no Brasil nunca foi fácil. Porém, atualmente a situação parece um pouco pior, especialmente para os autores emergentes.
Isso se deve não só ao problema financeiro da população, mas pela falta de interesse das editoras em promover obras nacionais. Contudo, vejo nas redes sociais um movimento bastante pró ativo quanto a valorização do autor nacional. Sou otimista, apesar de tudo. Torço para que o quadro atual mude em pouco tempo.
- PZ – Sobre nosso mercado, nós aqui no PZ temos observado que cresceu bastante o número de autores de todas as idades se aventurando no mercado de algum modo: publicações em plataformas digitais, impressão de próprio custo, publicações em pequenas editoras locais, participação em coletâneas diversas etc. Pra você, como foi o começo da caminhada para a profissionalização?
R.: Escrevo desde cedo. A arte da escrita é lenta. Só sobrevive quem realmente não tem ansiedade em demasia. Pelo visto o país tornou-se um território agitado de escritores, mas nem todos buscam compreender a profundidade dessa arte.
Escrever requer paciência, atenção, disciplina e dedicação. Não cabe imediatismo. Isso tive que aprender a duras penas, pois meu perfil sempre foi de pura ansiedade. Depois de muito tempo percebi que a coisa não é bem por aí. Paciência é a chave dessa arte.
- PZ – Você tem uma forte presença virtual, tanto em seu perfil pessoal quanto nas páginas que gerencia. Como tem sido o contato, a relação e as conversas com seus leitores? O Feedback que vem deles já te fez pensar ou repensar algo sobre suas obras?
R.: O contato direto com o leitor tem sido uma experiência magnífica. Especialmente por ter tido sorte de me deparar com gente interessada em contribuir com crítica construtiva. Aprendo muito com eles.
- Falando em obras, fale um pouco do seu processo criativo pra gente. Como começa, como escolhe os temas, revisões de pontos importantes, criação de personagens, essas coisas…
R.: O impulso criativo inicia-se espontaneamente. Começa com um simples lampejo ou uma ideia e a partir daí as peças começam a se juntar. Os personagens surgem aos poucos, primeiramente como sombras, até que, passado um tempo, eles se configuram, falam comigo, emergem da bruma da inexistência em direção a vida.
Depois disso vem a pesquisa, os mapas mentais, as maquetes, até a história estar consolidada. Porém, durante a escrita, tudo muda. Os personagens assumem o controle. Aí já não controlo mais nada.
- E para os iniciantes? Quais as dicas e sugestões que você daria para quem quer ingressar no mercado?
R.: Escrevam muito. Quando não estiverem envolvidos com a escrita, leiam muito. Conversem com outros escritores. Experimentem, brinquem com os personagens, escrevam a vida.
- Especificamente sobre Geena, como surgiu a ideia do livro? Ele tem uma abordagem muito crítica da nossa sociedade contemporânea e de nossos comportamentos prejudiciais a nós mesmos e aos outros, o que das falas e experiências de Rui refletem os pensamentos de Geraldo Medeiros Jr.?
R.: Considero Geena uma espécie de catarse. Minha crítica à humanidade. O ser humano possui o lado bom e o ruim. Quando, então, o ciclo natural das coisas é quebrado, o neofobismo desperta a violência. Aí vem as guerras, revoluções, protestos, revelações de toda natureza.
Rui Motenegro, o antropólogo renomado que assume a pesquisa sobre os ressuscitados, observa aquele fenômeno com admiração. Porém, descobre que a situação vai muito além dos fatos. O advento da Fase Final tão propagado e aguardado pelos ressurretos, esconde um segredo que mudará o destino completamente.
A forma de como Rui conduz a pesquisa tem muito a ver comigo. Ele, assim como eu, procura observar e deixar as coisas se revelarem por si só.
- Durante a leitura do livro, pode ser apenas uma impressão pessoal mesmo, mas senti que ali havia uma expansão para um universo maior que pode ser explorado novamente. Temos chances de ver alguns dos conceitos do livro retornando numa futura continuação?
R.: Realmente. A leitura de Geena deve ser atenta, pois a trama esconde detalhes e segredos que se revelarão no final. Tudo ali tem um motivo específico. Ainda não enxergo uma continuação da história, mas nada impede que ela se expanda.
O final é tão surpreendente por si só. Os leitores se perguntam como pude imaginar aquilo. Soube que alguns deles quase entraram em choque. Outros se deslumbraram, outros ainda se revoltaram. E é isso que a arte deve fazer: Mexer com as emoções.
- O fluxo de ideias em Geena é imenso, tem aquele frescor de uma obra feita de um fôlego só, mas ao mesmo tempo percebe-se um apuro nos conceitos do livro. Você pesquisou muito para compor Rui como antropólogo e todo o contexto militar e político que envolveu a jornada do personagem?
R.: Isso mesmo. O fôlego a que se refere é proposital. Mostra a agonia e o caos que o mundo se encontra quando os mortos ressurgem. Além disso, algumas partes do livro alternam o foco narrativo. Uma delas, por exemplo a primeira, a narrativa é feita por um ressuscitado infiltrado no meio militar.
Falando nisso, misturar a antropologia com o apelo militar foi algo bem diferente. Ainda por cima vem a ciência tentar explicar uma coisa completamente misteriosa. Como se trata de um fenômeno que rompe com o ciclo natural da vida e morte, o contexto do cotidiano é sacudido de maneira abrupta.
O retorno dos mortos causaria todo o tipo de desconforto e esperança na população. O impacto psicológico ocorre em vários níveis, desde a ternura, amor até o ódio extremo. Geena mostra muito bem como as pessoas e o sistema se comportariam numa situação inusitada.
- Todo autor tem seus mestres e grandes influenciadores, quem são os seus e quais obras refletem até hoje como inspiração em sua escrita?
R.: Quem eu tenho como mestres são Érico Veríssimo e Lygia Fagundes Telles. Isso sem falar em muitos outros autores contemporâneos pelos quais tenho uma consideração especial.
- Alguma influência vindo de outras mídias como Quadrinhos, Cinema, Games e Séries?
R.: Por incrível que pareça, não.
- Falando em outras mídias, você tem algum plano para se aventurar escrevendo para além dos livros?
R.: Roteirizei um conto de minha autoria. Gostei da experiência.
- Claro, e quais os planos para os próximos trabalhos literários? E você tem alguma pretensão de percorrer circuitos literários nacionais, eventos de cultura pop ou algo assim pelo país para divulgar seu trabalho?
R.: Estou trabalhando em dois projetos. Um deles está quase pronto. O outro já dei início a pesquisa. Sim, adoraria participar de circuitos nacionais e eventos. Esse é um passo que darei assim que o segundo projeto estiver engatilhado.
- E para concluir, mande um recado para nossos leitores. Nós da redação do PZ agradecemos muitíssimo pelo tempo e atenção, Geraldo.
R.: Mais uma vez agradeço imensamente a oportunidade. São iniciativas como essa que eleva a cultura do nosso país. Muito obrigado, PZ!
Geena – Eles Voltaram
E os mortos voltaram. Não da forma como as pessoas imaginavam, seres decrépitos, apodrecidos e sedentos por sangue e carne. Ao contrário, retornaram serenos, destituídos de qualquer tipo de agressividade ou anseios.
Eram incapazes de reagirem até mesmo para se autopreservarem. Foi exatamente como as antigas escrituras profetizaram. Pessoas comuns, cheias de defeitos de toda natureza, agora melhoradas. Tinham inclusive a capacidade de se regenerarem. Não ficavam mais doentes, ao contrário, rejuvenesciam a cada dia. Fato absolutamente contrário às leis naturais.
No entanto, tal fenômeno foi desastroso para os que ainda não tinham passado pela morte. Em virtude da ressurreição, a população mundial mais do que dobrou. Houve escassez de alimentos.
O retorno de entes queridos para as suas casas, há muitos anos sepultados, provocou traumas psicológicos irreversíveis. Consequência justificada, com exceção da súbita distorção comportamental ocorrida nos humanos comuns. A inveja desta perfeição se fez emergir com toda força. O ímpeto de ser eterno deflagrou uma onda de suicídios. Era o desejo de ser como um deles.
Uma agência internacional de controle desta estranha população foi criada. Tinha que se dar um fim no aumento populacional a qualquer custo. Países se reuniram para estudar e prevenir o colapso global. Para entender o que estava por trás do fenômeno, um antropólogo renomado, doutor Rui Montenegro e seus colegas cientistas, iniciaram uma pesquisa minuciosa para se entender a onda de atrocidades deflagrada contra os plácidos ressurretos.
Após viver um tempo entre eles em áreas reservadas, Rui descobre algo inusitado, um evento previsto para acontecer, muito mais importante do que a própria ressurreição em si. A revelação daquele segredo faria toda crença científica e religiosa cair por terra e o mundo teria um outro destino.
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.