O Livro É | Ecos do Espaço, de Megan Crewe

Uma raça alienígena fazendo experimentos com o tecido espaço-temporal de nosso planeta; uma corrida frenética contra o tempo para impedir que tais experimentos acabem por desintegrar completamente nossa realidade, uma jovem garota de 17 anos com um transtorno que a permitiu entender que algo estava errado, um jovem da raça alienígena e seu grupo de amigos rebeldes quer impedir que as experiências continuem… isso é Ecos do Espaço, da autora canadense Megan Crewe.

Colocado desta forma, parece tudo incrivelmente perfeito e com absolutamente todos os requisitos que tornariam um livro espetacular com muita Sci-Fi e ação do início ao fim. Mas não é bem por aí amigo leitor, infelizmente. Há Sci-Fi, há ação, mas a maneira como tudo isso está posto na narrativa não é nem de longe o que se espera…

Antes de explicar os motivos desta infelicidade, vou me aprofundar um pouco mais no contexto de Ecos do Espaço, primeiro livro de uma trilogia juvenil de Sci-Fi.

Ecos do Espaço | Skylar e sua “sensação de errado”

Ecos do Espaço é todo narrado em primeira pessoa pela jovem estudante do ensino médio Skylar. Skylar é como qualquer jovem de sua idade, ao menos tenta ser. Desde que seu irmão mais velho desapareceu misteriosamente anos atrás quando ela era apenas uma criança, Skylar passou a encarar o mundo de uma forma peculiar, quando algo está incomum para ela, seu transtorno aflora e ela começa a multiplicar quase que infinitamente por 3.

Ecos do EspaçoSkylar chama seu transtorno de “sensação de errado“, que simplesmente dispara inexplicavelmente quando algo, sabe-se lá os motivos, perturba sua percepção.

Mas o que parece ser um problema obsessivo-compulsivo, é na verdade um dom que a garota não compreende até o dia que conhece Win, um jovem poucos anos mais velho do que ela, de fisionomia bonita e um tanto estranho, ronda as imediações da escola de Skylar e a observa de longe.

O contato entre os dois jovens se dá quando Win manipula o tecido do tempo quando Skylar e seus amigos seriam vítimas de uma explosão terrível que até ocorre, mas é imediatamente revertida por Win quando o jovem altera o tempo.

Ninguém notou, ninguém percebeu, nada disso sequer existiu para os estudantes, exceto para Skylar cujo “sensação de errado” avisou que algo realmente está errado naquela situação, pois a garota pôde presenciar a explosão e sua reversão temporal.

Começa assim a jornada destes dois jovens: ela uma garota humana em busca de seu local no mundo e tentando se adequar ao seu próprio transtorno desde a tenra infância; ele é um kemyano, do planeta Kemya, uma raça extremamente evoluída e que há centenas de anos manipula nosso campo espaço-temporal de uma estação espacial que fica escondida orbitando nosso mundo.

Ecos do Espaço | Em busca da arma de Jeanant

Apesar da raça kemyana estar inteiramente confortável com a situação que criou, nem todos de seu mundo são favoráveis ao escravagismo da Terra por parte dos kemianos em missão no nosso mundo.

Win integra um grupo de rebeldes que veio 17 anos do futuro do presente atual de Skylar. Mas em seu presente há outros viajantes em missão para interromper os experimentes dos kemianos. Dentre estes o mais importante é Jeanant, um dos grandes nomes da liderança dos rebeldes kemyanos. Em seu encalço estão os terríveis Executores, uma espécie de polícia kemyana agindo na Terra para impedir os rebeldes de destruir a estação orbital que controla o campo temporal ao redor de nosso mundo.

Jeanant tem um plano e tem uma arma para destruir o campo temporal kemyano, mas a arma e os projetos para montá-la estão espalhados por diferentes locais e tempos em nosso mundo, situação propositalmente arquitetada por Jeanant para driblar a caçada dos Exterminadores contra os rebeldes. E Jeanant está viajando para reaver seus projetos, montar a arma e destruir a estação.

No entanto, sozinho e deslocado no tempo, Jeanant não  tem muitas chances de sair vivo de sua busca, até que Win e Skylar começam a entrar no jogo para reaver os projetos da arma de Jeanant. E assim começa a jornada dos dois adolescentes para mudar nosso destino.

Ecos do Espaço
Capas originais da trilogia

Ecos do Espaço | Uma narrativa que deixou a desejar

Ecos do Espaço tem todas as prerrogativas para ser uma ótima obra, mas falha em sua execução, como citei no começo do texto. Brincar com viagens no tempo é uma pedida excelente para agradar praticamente todo fã de Sci-Fi, mas Megan Crewe carece de muitas, muitas melhoras em suas ideias e na execução de sua narrativa, principalmente na execução narrativa.

Tudo acontece rápido demais, a começar pela “amizade” entre Win e Skylar. Algumas horas de papo, alguns dias explicando tudo e pronto, estão viajando pra todo canto no passado de nosso mundo: Roma antiga, revolução francesa e por aí vai. Como se estivessem indo de um bairro a outro de uma cidade.

Claro, Crewe tem sua maneira particular de se viajar no tempo: os 3T, Tecido de Transporte no Tempo. Literalmente um tecido mesmo que Win lança sobre si e Skylar e que fica similar a uma cabana de acampamento de forma cônica… ao menos é quase isso. O 3T também funciona como computador.

Ecos do Espaço
Megan Crewe

Sério, é um pano mesmo, só que altamente tecnológico, no melhor sentido do que Arthur C. Clarke propõe ao nos afirmar que uma tecnologia evoluidíssima, pouco seria diferenciada de magia caso algum povo menos evoluído a visse em funcionamento.

Esse é um dos pontos fracos de Crewe como escritora, toda vez que um de seus conceitos surge e alguém vai explicá-lo para Skylar, ou a pessoa também não sabe como funciona ou diz para a garota que ela não tem capacidade de entender o conceito. Isso em uma obra de Sci-Fi fica muito, muito estranho.

Um leitor de Sci-Fi, seja ela Hard ou Soft, por si só tem interesse em que certas ideias inventadas em obras tenham algo de seu conceito explicado ou exposto com algum detalhe, para dar substância tanto ao conceito quanto em sua utilização. Crewe se furta de fazer isso no texto e claro, furta isso de nossa leitura e curiosidade. É assim e pronto, dê-se por satisfeito.

Mesmo sendo Sci-Fi Soft, Ecos do Espaço carece de qualquer tipo de apoio na parte Science da coisa. Não precisa ser um tratado de Ciência Aplicada à Viagens no Tempo, mas o processo de esquiva narrativa que Crewe emprega no livro todo é irritante e primário, simplesmente qualquer explicação lógica ou funcional de seus conceitos ou são simplórias e reducionistas demais ou são simplesmente jogadas para algum canto obscuro com meia dúzia de palavras que sempre conduzem ao fato de que Skylar, e por conseguinte nós leitores, não somos aptos a compreender. Quando na verdade é Crewe que não sabe como por melhor suas ideias no papel. Isso fica evidente o tempo todo.

A própria consistência narrativa de Crewe se equilibra numa corda bamba balançante no meio de um furacão. A autora, ao optar por narrar tudo em primeira pessoa nos coloca numa situação complicada. Tudo que vemos, ouvimos e sentimos é por meio das impressões de Skylar, uma menina de 17 anos, carregada a reboque por um garoto alienígena um pouco mais velho que ela e que quer agradar seus superiores rebeldes a qualquer custo e, depois de algum tempo, passa a querer agradar Skylar também.

Chega ser palpável a sensação de que, nesse sentido dos protagonistas, Ecos do Espaço tem toda aquela cara de trilogia de livro escrita para virar filme e seguir o caminho de Divergente, Jogos Vorazes e Crepúsculo, onde adolescentes cheios de problemas e hormônios são a única esperança da humanidade…

O corre-corre das viagens no tempo, que eu imaginava ser a grande atração da obra, é na verdade bem, bem repetitivo e na maioria das vezes cansativo. Skylar passa o livro todo reclamando de algo, especialmente de Win que, na verdade, dá muitos motivos para isso. Toda vez que o garoto kemyano deveria contar algo para a garota humana ele simplesmente não o faz e ela, passado-se algum tempo ou situação, acaba ou deduzindo ou percebendo algo estranho que Win omitiu de seu conhecimento. É isso capítulo atrás de capítulo do livro.

Outro ponto negativo são os motivos para Skylar ser a pessoa ideal para auxiliar Win a caçar as partes da arma de Jeanant: a “sensação de errado” de Skylar permite que a garota possa detectar sutis mudanças em nossa história e levar Win até as pistas que Jeanant plantou no passado de nosso mundo e que correspondem aos locais onde estão as partes de seu projeto secreto.

Então Skylar pega uns dois ou três livros de história, uns jornais aqui e ali e pronto, embarca no 3T de Win em busca de uma das partes. Claro, depois de umas duas vezes no encalço da dupla vem os Executores que começaram a perceber algo de estranho no tecido do tempo. E assim fica a corrida de gato e rato. E os dramões também…

Ecos do Espaço | Os protagonistas

Eu entendo o que Crewe quis fazer aqui, entendo mesmo… e compreendo. É uma obra para jovens leitores, tem tudo que poderia agradar as gerações pós Harry Potter ou até mesmo a geração pós Saga Crepúsculo e o pessoal que veio depois na onda das distopias futuristas teen.

Tem protagonistas jovens e exalando os problemas da adolescência, as dúvidas, medos e receios do fim da adolescência e entrada na idade adulta e, por isso mesmo, extremamente chatos. Skylar é excessivamente contraditória e insegura, sem esquecer que ela é simplesmente puxada para todos os lados por Win. Em uma época onde se prescinde protagonismo das personagens femininas, independência, atitude e proatividade, Skylar foi um tiro fora do alvo.

Não que a garota não faça sua parte na obra, mas perto de outras tantas personagens, Skylar deixa a desejar em muita coisa. Mas não se preocupe, Win não fica muito atrás não em termos de personagem fraco e de desenvolvimento complicado. Você pode dizer “ah, deixa de ser chato, são só jovens”… sim, são mesmo, mas não dava para fazê-los um pouco mais bem construídos e dinâmicos?

A dupla, no mal sentido, se merece. E Crewe nem se esforça para escapar ao clichê do climinha de paixonite que está impregnado na obra desde que Win e Skylar trocaram os primeiros olhares. Quase consigo imaginar um elenco de atores teen para os papéis… quase.

Ecos do Espaço
Capas nacionais da Trilogia

Não que eu esteja exigindo aqui que dois adolescentes sejam inteiramente resolvidos psicologicamente, socialmente e nas relações interpessoais, mas veja bem, a obra já nos entrega os protagonistas de uma forma pouco favorável ao dar justamente a duas quase crianças a tarefa de salvar dois mundos. Então que ao menos fizesse isso de uma forma mais palatável ao leitor.

Para um exemplo recente do que quero expor e com foco em protagonistas jovens, basta mergulhar nos livros de Tronos & Ossos, da mesma Editora Jangada, cujos dois primeiros livros da trilogia já foram resenhados aqui no PZ (veja AQUI e AQUI).

Lou Anders conseguiu entregar também dois adolescentes aos seus leitores, mas ao contrário de Crewe e sua dupla Skylar e Win, Anders criou seus protagonistas de forma jovem, divertida, interessante e acima de tudo, extremamente empáticos para o leitor. Sem esquecer que a dinâmica entre Thianna e Karn é infinitamente mais bem desenvolvida que a de Skylar e Win, desses você normalmente quer se distanciar, dos personagens de Tronos & Ossos você quer estar perto e vivenciar suas aventuras.

Se comparada também com outras narrativas de viagens espaço-temporais, Ecos do Espaço falha em ser atrativo e instigante, sobretudo se compararmos com alguma obra mais consistente como, por exemplo, O Fim da Infância de Isaac Asimov. Ok, eu sei, é covardia essa comparação, mas temos de pegar uma grande referência sempre para validar esses pontos sobre Sci-Fi.

Ecos do Espaço | Uma obra para seu nicho

Toda vez que leio algo e saio com essa “sensação de errado” sobre essa obra, costumo refletir sobre a quem essa obra se destina. Obviamente desde as primeiras páginas que percebi que Ecos do Espaço não é uma obra para gente como eu, com seus quase 40 anos, com um leque de leituras anteriores que passaram por nomes como Isaac Asimov, Arthur C. CLarke, Ursula K. Le Guin, Marion Zimmer Bradley, Prhilip K. Dick, Frank Herbert, William Gibson e outros nomes de peso da Sci-Fi.

Acho que Ecos do Espaço tem grande potencial de agradar as Skylars e os Wins da vida real. Gente que precisa de um empurrão para começar a cultivar o hábito da leitura e quer algo no segmento de Sci-Fi por estar órfão de suas sagas anteriormente encerradas ou só quer mesmo mergulhar numa nova aventura.

Eu não consegui criar nenhum tipo de empatia pelos personagens, por sua aventura, pelas situações pessoais vividas e nem pelo modo como isso tudo foi narrado, mas nem acho que tal empatia teria sido minimamente possível justamente por não termos nenhum tipo de afinidade eu e tudo isso, algo que acredito pode acontecer se o leitor for da mesma idade dos personagens protagonistas ou for menos exigente com sua leituras.

Ecos do EspaçoAinda assim achei Crewe uma narradora no máximo mediana, nem de longe me lembra o porte de autoras como Le Guin, Bradley ou Atwood cuja excelência no texto e na abordagem são inquestionáveis. Sua opção pela narrativa em primeira pessoa limitou muito sua obra e a perspectiva de sua aventura, é como ler um imenso diário pessoal que aqui e ali tem uma peripécia incrível em algum momento de nossa história. Soa estranho, soa irregular, soa limitado demais.

Independente do que penso ou digo sobre Ecos do Espaço, é preciso parabenizar muito a Editora Jangada pelo lançamento da trilogia completa em nosso país. Toda Sci-Fi, seja para jovens ou adultos, é sempre muito bem-vinda às livrarias.

Fica a dica para quem quiser investir numa leitura leve e sem pretensão alguma de alcançar a qualidade, originalidade, importância e diversão dos grandes clássicos da Sci-Fi. Você vai ler e depois simplesmente só vai sentir um leve eco no espaço e no tempo quando tudo acabar.

Recomendo para os jovens viajantes e aventureiros da Sci-Fi, para os velhos navegantes do espaço-tempo, passem longe, isso não é pra velhos rabugentos como nós…

Ecos do Espaço | A Autora

MEGAN CREWE formou-se em Psicologia na Universidade de York e passou grande parte dos últimos doze anos trabalhando como terapeuta comportamental e na assistência escolar a crianças e adolescentes com necessidades especiais.

Ela é autora da trilogia Fallen World e do romance Give Up the Ghost, indicado ao Sunburst Award, prêmio que reconhece a excelência de obras canadenses de literatura fantástica. Megan mora em Toronto, no Canadá, com o marido e três gatos.

Ecos do Espaço | Sinopse e Dados Técnicos

Skylar tem 17 anos e, desde que se entende por gente, é perseguida por sensações de que algo está terrivelmente errado. Mas, apesar dos ataques de pânico que a atormentam, nada nunca acontece, e Skylar já está começando a acreditar simplesmente que ela não é normal.

Sua vida sofre uma reviravolta quando ela conhece Win, e descobre a chocante verdade que é a causa de suas premonições: somos todos cobaias. Há milhares de anos, a Terra está à mercê de cientistas alienígenas que não se importam nem um pouco com os seus habitantes e nos utilizam em seus experimentos de manipulação do tempo.

Win é membro de uma facção rebelde que está tentando colocar um fim nisso e ele precisa da ajuda de Skylar – mas, a cada alteração do passado, o próprio tecido do espaço-tempo se fraciona um pouco mais e logo poderá não restar mais nenhum planeta Terra para se salvar.

  • Título: ECOS DO ESPAÇO
  • Autora: Megan Crewe
  • Assunto: Ficção – Ação e Suspense
  • ISBN: 978-85-5539-030-2
  • Idioma: Português
  • Tipo de Capa: Brochura
  • Edição: 1ª edição 2015
  • Número de Páginas: 320
  • Link na Editora AQUI

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Ecos do Espaço

  • 90%
    Premissa - 90%
  • 50%
    Desenvolvimento - 50%
  • 50%
    Personagens - 50%
  • 70%
    Contextualização - 70%
  • 55%
    Processo Narrativo/ Narratividade - 55%
  • 55%
    Conclusão/ Desfecho - 55%
62%

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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