A FORMA DA ÁGUA (The Shape of Water, 2017. Direção: Guillermo del Toro. Roteiro: Guillermo del Toro e Vanessa Taylor. História: Guillermo del Toro. Elenco: Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins, Doug Jones, Michael Sthulbarg, Octavia Spencer.)
Algumas mentes funcionam de formas inexplicáveis, especialmente no cinema. Existem gênios que criam obras de arte, espetáculos, cujas origens vão além do que podemos compreender. Guillermo del Toro é, sem dúvida alguma, um desses gênios.
O diretor é responsável por comandar filmes fantásticos, com monstros e aventuras fantasiosas, como Blade II, Hellboy, Círculo de Fogo e O Labirinto do Fauno – sendo a maioria deles criados pelo cineasta. Mas, dessa vez, del Toro entrega uma fantasia diferente de todas as suas outras – provavelmente, a mais bonita delas – em A Forma da Água.
E assim como a maioria dos seus filmes, A Forma da Água é fruto da fértil imaginação de del Toro – traduzida por ele e por Vanessa Taylor para um roteiro cinematográfico.
A produção é um conto de amor distinto, sobre Elisa Esposito (Sally Hawkins), uma mulher muda, que trabalha como zeladora em um laboratório localizado em Baltimore, EUA, no ano de 1962.
Durante seus dias no laboratório, Elisa se depara com o novo objeto de estudo dos cientistas: um homem-anfíbio (Doug Jones), encontrado na América do Sul, com o qual ela se relaciona e cria um laço inexplicável. Assim, Elisa luta por esse laço e pela sobrevivência do homem-anfíbio, ameaçada pelo seu captor, o coronel Richard Strickland (Michael Shannon).
De primeira, o filme já nos prende em dois aspectos fenomenais: a música, combinada por canções clássicas da década de 1950 e do começo da década de 1960 – incluindo até Carmen Miranda –, mesclada à trilha sonora original do gênio Alexandre Desplat; e o design de produção, responsável por criar um ambiente fiel não somente à época da história, mas ao tom fantástico que o filme traz, criando um total clima de filme clássico. E tudo isso é notado somente na sequência original.
Uma vez instaurada a aura de classicismo e fantasia de A Forma da Água, entra em cena o elenco, perfeitamente escolhido para representar a história de del Toro.
Sally Hawkins se mostra uma exímia atriz, extremamente capaz de protagonizar uma grande produção como esta. Em um papel muito difícil, como a zeladora muda que se relaciona e demonstra sentimentos pelo Homem-Anfíbio, Hawkins convence e nos emociona com seus olhares, movimentos e dedicação ao papel. Sem precisar falar uma palavra sequer, ela sorri, chora e se emociona, nos emocionando junto com ela.
E mesmo sendo genial, Sally Hawkins se engrandece mais ainda tendo ao seu lado Richard Jenkins – como Giles, o vizinho gay de Elisa –, Octavia Spencer – interpretando Zelda Fuller, a colega de trabalho da protagonista – e Michael Sthulbarg – que dá vida ao Dr. Robert Hoffstetler, o cientista incompreendido no laboratório onde Elisa e Zelda trabalham.
Os três coadjuvantes estabelecem relações fundamentais com a protagonista. Giles, se envolvendo com Elisa como se fosse o pai dela, a protege e cuida dela a todo momento. Zelda, sendo a melhor amiga de Elisa, é a pessoa que ajuda a protagonista a escapar da árdua rotina, sendo a parte mais cômica do mundo fantástico do filme. E o Dr. Hoffstetler, servindo de aliado de Elisa, é a pessoa que primeiro compreende a vontade da protagonista de proteger o Homem-Anfíbio – e que a ajuda nessa tarefa.
Falando nesse tal de Homem-Anfíbio, ele não foi criado digitalmente: ele é uma pessoa de verdade, mais precisamente, Doug Jones em uma roupa criada especialmente para o filme – ponto para a equipe de figurino. Jones é um amigo de longa data de del Toro, e é uma participação certa em filmes que tenham criaturas estranhas – ele é o rosto por trás do Fauno e do Homem Pálido, de O Labirinto do Fauno, e do Abe Sapien, da franquia Hellboy, ambos filmes do diretor.
E pra falar a verdade, não tem ninguém que poderia ter feito o que ele fez, incluindo em A Forma da Água. Os movimentos de Jones no filme são extremamente convincentes, e a química que ele estabelece com Hawkins em cena – mesmo embaixo de uma roupa – é encantadora.
E do lado oposto de Elisa e do Homem-Anfíbio, Michael Shannon entrega um coronel Strickland na forma de um antagonista clássico. Um vilão da pior espécie, com todas as piores características – racista, misógino, preconceituoso, violento, prepotente – reunidas em uma pessoa só. Nesse molde, Shannon atua de forma convincente e magistral, passando a aura ruim e a determinação do personagem, e nos deixando amedrontados do mesmo jeito que Strickland deixa a protagonista.
Mas a verdadeira estrela de A Forma da Água está por trás das câmeras. Guillermo del Toro mostra o quanto aprendeu com todos esses anos de cinema e todos os filmes que dirigiu, escreveu e produziu em Hollywood. O seu trabalho aqui é, como em todos os outros, de altíssima qualidade em todos os campos.
O trabalho de del Toro como co-roteirista, combinado ao seu comando geral do filme, são responsáveis por criar uma produção cativante e envolvente, repleta de metáforas subliminares e mais atuais do que parecem.
O diretor consegue criar um roteiro com um Homem-Anfíbio, e estabelecer nele a representação de um monstro literal, e os personagens – Elisa, a deficiente; Giles, o homossexual; Zelda, a negra; o Dr. Hoffstetler, o cientista russo – se relacionam tão bem e possuem uma grande empatia com ele por serem vistos como “monstros” pela sociedade – representada pelo coronel Strickland – e por passarem o mesmo que ele, por estarem “fora dos padrões estabelecidos”. Uma bela metáfora, que se aplica muito bem aos dias de hoje.
E em cada momento, em cada detalhe, em cada movimento de câmera, temos o toque de del Toro presente, como uma marca registrada. Um guia perfeito, que nos convence da sua história, que nos cede seus monstros, que nos faz compartilhar dos seus medos e das suas alegrias, que nos insere nesse mundo de fantasia. Em todos os filmes, del Toro fez isso com perfeição, e em A Forma da Água ele faz de novo, com qualidade.
Uma composição perfeita, que une características técnicas bem executadas, um bom elenco com boas performances, uma história bem criada e bem interpretada em um roteiro excelente, e uma direção do mais alto nível, A Forma da Água é uma homenagem ao cinema clássico combinada, de forma diferente, a um universo de fantasia e de amor – das mais diferentes formas –, com um resultado que não somente consagra Guillermo del Toro como o maior cineasta mexicano de todos os tempos – com todo o respeito aos grandes Alfonso Cuarón e Alejandro Iñárritu –, mas também como um dos maiores cineastas de Hollywood.
A Forma da Água foi indicado a 13 Oscars em 2018:
- Melhor Filme;
- Melhor Diretor, para Guillermo del Toro;
- Melhor Atriz, para Sally Hawkins;
- Melhor Ator Coadjuvante, para Richard Jenkins;
- Melhor Atriz Coadjuvante, para Octavia Spencer;
- Melhor Roteiro Original, para Guillermo del Toro e Vanessa Taylor;
- Melhor Trilha Sonora Original, para Alexandre Desplat;
- Melhor Edição de Som, para Nathan Robitaille e Nelson Ferreira;
- Melhor Mixagem de Som, para Christian Cooke, Brad Zoern e Glen Gauthier;
- Melhor Design de Produção, para Paul Denham Austerberry, Shane Vieau e Jeff Melvin;
- Melhor Fotografia, para Dan Laustsen;
- Melhor Figurino, para Luis Sequeira;
- Melhor Montagem, para Sidney Wolinsky.
A cerimônia de entrega dos Oscars em 2018 ocorrerá na noite de domingo, 4 de março.
Trailer | A Forma da Água
Sobre o Autor
Um ajudante de super-herói perdido em Tatooine, com várias pedras de metanfetamina.