Há anos sentia em mim, como leitor, a enorme dívida de ler as obras de Graciliano Ramos, considerado um dos grades autores da Literatura Brasileira, não só pelos temas abordados, mas também pela escrita extremamente lapidada e concisa em narrativas cuja profundidade e complexidade são inversamente proporcionais a este aspecto.

Na ocasião do anúncio dos dois primeiros volumes da coleção Para Amar da Faro Editorial (AQUI), vislumbrei duas grandes oportunidades: de me aprofundar mais na obra – que tanto aprecio há longos anos –  clariceana em Para Amar Clarice (AQUI) e de iniciar um trajeto metodológico pela obra de Graciliano Ramos através da perspectiva do pesquisador Ivan Marques.

Mas para dar esse pontapé inicial nessa empreitada graciliana, decidi antes começar a leitura do curto, porém forte e denso livro Vidas Secas, considerado por muitos como a obra definitiva sobre o tema da seca nordestina e a vida daqueles afetados por ela.

Adiantei bem a leitura de Vidas Secas até aproximadamente a metade do livro e daí fiz em paralelo a leitura de Para Amar Graciliano. E que prazer literário foi tal experiência, tanto por toda a força contida em Vidas Secas quanto pela maestria com que Marques constrói sua pesquisa e itinerário de leitura para as obras de Graciliano.

Para Amar Graciliano | Estrutura, Proposta e Abordagem

A estrutura que Marques segue é bem didática e prática, começando por um rápido, porém conciso, perfil de Graciliano e de seus aspectos biográfico nos três capítulos iniciais do livro, depois parte para elencar as principais obras do escritor dentre as quais três serão o escopo das análises de marques durante sua pesquisa.

As três obras elencadas por Marques são escolhidas entre os quatro romances de Graciliano publicados em vida: São Bernardo, Angústia e Vidas Secas (Caetés é o quarto romance, mas não integra o elenco principal de Marques para a análise); somam-se aos pilares da bibliografia graciliana referências às suas obras de cunho memorialístico (Infância e Memórias do Cárcere), bem como artigos escritos em momentos diversos de sua trajetória e as cartas enviadas ou recebidas por Graciliano.

Para desnudar as três principais obras de Graciliano, Marques também elenca sobre quais aspectos tais textos serão analisadas para compreender os principais focos narrativos apresentados pelo autor:

• A construção em abismo (o livro escrito pelo protagonista dentro do livro);
• As implicações da narrativa em primeira pessoa;
• O enredo fragmentado;
• A estrutura circular reiterada;
• Fluxos de Consciência;
• A deformação da realidade em decorrência desse fluxo de consciência;
• A linguagem concisa.

Além destes aspectos, ganham relevância em Para Amar Graciliano também as perspectivas do realismo crítico proposto por Graciliano em seus textos. Os temas sociais abordados em cada obra ganham seu devido foco na análise de Marques, mostrando toda a percepção e compreensão de Graciliano sobre política, violência, oposição entre o urbano e o rural, os novos papéis da mulher na família e na sociedade.

Ao contrário de Para Amar Clarice que, a meu ver, funciona melhor para os fãs de longa data da obra de Clarice Lispector, Para Amar Graciliano é um livro que parece funcionar muito bem tanto para aqueles que, como eu, nunca haviam lido nada do autor, quanto para os veteranos da escrita graciliana.

Emília Amaral emula a escrita labiríntica, caleidoscópica e onírica de Lispector em sua pesquisa em Para Amar Clarice, o que pode assustar aqueles que nunca se aventuraram nos meandros dessa escrita; e Ivan Marques opta pelo mesmo caminho, no entanto, ao emular o estilo conciso, objetivo e desprovido de excessos de Graciliano Ramos, acaba por nos entregar uma obra mais fácil de ler e por isso mesmo abre muitas aberturas para qualquer interessado.

Graciliano Ramos é conhecido por seu estilo seco, objetivo e direto, Marques se inspira nisso para nos conduzir ao longo de sua pesquisa.

Comparado com nomes como Machado de Assis, Franz Kafka, Samuel Bekett, Fiódor Dostoiévski, Albert Camus entre outros; Graciliano Ramos é realmente um nome de peso em nossa Literatura, exímio dominador do binômio forma-conteúdo, o autor deixou um legado digno de ser estudado e apresentado da forma como este Para Amar Graciliano faz, deixando uma obra complexa e monumental ainda mais acessível para todos.

Parabenizo aqui mais uma vez a Faro Editorial pela coragem e visão de editar e publicar a coleção Para Amar que, além do belo projeto gráfico/editorial, foi pontualmente perfeita na escolha de Clarice Lispector e Graciliano Ramos para os volumes iniciais.

Durante a leitura em paralelo de Vidas Secas e Para Amar Graciliano meu interesse e admiração pelo autor só aumentaram e em breve uma resenha de Vidas Secas estará por aqui em nossa coluna literária.

Os dois volumes da coleção estão com seus lugares na estante e aguardando pelas próximas edições que, particularmente, aguardo serem anunciados no futuro próximo.

E, se me for permitido mais uma vez sugerir nomes de autores que seriam excelentes de ver na coleção então aqui vão alguns dos que eu gostaria de ter na estante na coleção Para Amar: João Ubaldo Ribeiro, Erico Veríssimo, Moacyr Scliar e Fernando Sabino.

Que a coleção aumente em quantidade, porque qualidade está sobrando pra dar e vender. Obrigado Faro Editorial.

Para Amar Graciliano | O Autor

IVAN MARQUES é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo, onde fez seu doutorado. É autor dos livros “Cenas de um modernismo de província: Drummond e outros rapazes de Belo Horizonte” (Editora 34, 2011) e” Modernismo em revista: estética e ideologia nos periódicos dos anos 1920” (Editora Casa da Palavra, 2013).

Organizou também as antologias “O espelho e outros contos machadianos” (Editora Scipione, 2008), “Melhores poemas de Augusto Frederico Schmidt” (Editora Global, 2010), “Clara dos Anjos e outros contos de Lima Barreto” (Editora Scipione, 2011) e “Briga das pastoras e outras histórias: Mário de Andrade e a busca do popular” (Edições SM, 2016), entre outros livros.

Foi diretor do programa Entrelinhas e editor-chefe do programa Metrópolis, ambos da TV Cultura. Na mesma emissora, realizou documentários sobre literatura, como “Versos diversos: a poesia de hoje, Orides: a um passo do pássaro” e “Assaré: o sertão da poesia”.

Para Amar Graciliano | Ficha Técnica