Rio: Zona de Guerra é um neocyberpunk com narrativa estilo Noir que pega aspectos dos dois gêneros para nos entregar uma obra rápida, eficiente e inteligente.
O livro do autor Leo Lopes tem um dos aspectos que acredito ser essencial para a Sci-Fi: a capacidade de extrapolar o real a partir de um contexto fantasioso e nele especular e refletir sobre nosso presente tem como foco os avanços do futuro. Implicações éticas, morais, aspectos sociais, políticos e culturais permeia página a página a boa Sci-Fi sempre.
O bom autor de Sci-Fi sabe o quão inerentes ao gênero são esses debates e reflexões que a obra deve causar. Leo Lopes tem essa ciência e nos transmite os anseios de um morador do Rio de Janeiro de hoje em seu Rio de Janeiro de amanhã.
O que temos de abordagem criativa e fictícia em Rio: Zona de Guerra nada mais é que uma extrapolação do presente vivido na cidade maravilhosa com sua guerra civil entre autoridades e o tráfico de drogas que há muito tem ocupado as manchetes de jornais dia após dia.
A Zona de Guerra da obra de Lopes é a mesma de hoje, só que permeada pelos trajes e características de uma abordagem da estética Cyberpunk guiada por uma narrativa de investigação Noir. Qualquer semelhança com o real não é mera coincidência.
Seu protagonista, o detetive Carlos Freitas, já havia morado do lado “rico” da Fronteira, uma mega-estrutura utilizada para separar Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes do restante da cidade que permanece relegada ao que a população da cidade chama de Zona de Guerra.
Revoltado com as injustiças do sistema e com excesso de exclusão das classes menos favorecidas, Freitas atravessa a fronteira e passa a ser um residente na área da Zona de Guerra por longos seis anos, até que o assassinato de uma prostituta em um dos grandes prédios das megacorporações requer seus serviços.
Num mundo dominado pelo poder e produtos de super-empresas de altíssima tecnologia, a cidade do Rio de Janeiro é ainda mais perigosa e complexa do que a aparente calma da idade do outro lado da fronteira.
Se na Zona de Guerra as gangues e suas inúmeras disputas por territórios são um perigo constante, os desmandos e abusos das polícias corporativas não deixa nada a desejar.
E Freitas terá de lidar com o pior desses dois mundos se quiser desvendar a trama que se enredou dos dois lados da cidade do Rio de Janeiro.
Rio: Zona de Guerra | Revisitando o Cyberpunk e o Noir
Ironicamente li pouco antes de Rio: Zona de Guerra, o livro Carbono Alterado (lançando originalmente em 2010) e ambos tem algo muito, muito similar: são obras que revisitam a estética Cyberpunk (por isso os considero obras neocyberpunk), mas narram sua trama de forma similar ao Noir policial com aquela certa calma e ar melancólico, com detetives com seu próprio código de honra e senso de justiça, policiais corruptos, lindas e perigosas mulheres, bebidas, cigarros, sexo e violência, muita violência…
Nos dois livros há toda a atmosfera futurista caótica do princípio High-Low (High Tech, Low Life) do Cyberpunk oitentista – que tem seu maior expoente no Neuromancer de William Gibson – mesclada com a atmosfera melancólica do Noir.
Você encontra as gangues de rua disputando por território, os cyborgs, o comércio de informação digital, armas de alta tecnologia, carros com sistema de levitação, Inteligências Artificiais entre outras coisas e qualidades do bom e velho Cyberpunk enquanto um homem solitário, atormentado pelo passado – ou por seu senso extremamente particular de moralidade, ética e justiça – se lança em uma investigação e no processo acaba indo de encontro aos seus anseios e desejos de toda ordem. Carbono Alterado e Rio: Zona de Guerra dividem o fato de que seus protagonistas precisam investigar esse crime complexo, cheio de nuances e atrelados aos interesses de gente muito, muito poderosa.
Além disso, em ambas as obras a participação das mulheres é de grande importância e justamente nas mãos das “excluídas” prostitutas reside enorme responsabilidade pela condução dos protagonistas e de suas tarefas na trama. Não por a caso Freitas é contratado pela belíssima e sedutora Vivian para investigar o assassinato de sua amiga na Fronteira.
Mas há diferenças também, óbvio. A começar pela ambientação que pauta a condução de Rio: Zona de Guerra. Não conheço o Rio de Janeiro, mas Lopes sim e todo sua trajetória de vida, idas e vindas pelos caminhos da cidade estão ali em seu livro.
Lopes é incentivo, criativo e objetivo na maioria dos casos, tanto em seus conceitos quanto e sua narrativa, conduzindo-nos ora no desenvolvimento da trama investigativa, ora construindo e dando substância para o contexto do futuro que se situa a jornada de Freitas.
A estrutura das gangues, o funcionamento da policia corporativa, a tecnologia e função das armas e aparatos inventados pelas corporações, a utilização e funções dos Bancos Pessoais de Memória (BPM), os cenários da Zona de Guerra; tudo em algum momento tem seu espaço na obra para que nos sintamos bem ambientados.
No que se refere ao texto de Lopes, acho que na maioria dos casos o autor é muito eficiente e prático, em outros um pouco básico demais, nada comprometedor, mas fica nessas ocasiões a impressão de que poderia haver mais empenho para elaborar melhor algumas descrições e situações, bem como aprofundar mais alguns personagens a partir de determinadas situações (mais adiante abordo isso novamente).
Percebe-se que há algumas quebras bruscas de um capítulo para outro, deixando a nítida impressão que falta algo ali ligando uma coisa à outra, um fato a outro.
Na condução de sua narrativa Lopes é bem prático e cronológico também: tudo que acontece depois é antevisto e preparado em alguma situação anterior e as pontas soltas são só aparentemente soltas. Mas não posso deixar de pontuar que o livro parece pequenos demais para algumas situações e Lopes poderia ter uma obra um pouco mais robusta injetando mais desenvolvimento tanto de seu mundo quanto de seus personagens.
Acho que o real ponto fraco de Lopes está em alguns de seus personagens que, ao se enquadrarem nos requisitos de um Sci-Fi, acabam se enquadrando também no estereótipo: a prostituta lindíssima e sensual, o líder de gangue perigosíssimo e violento, o advogado elitista almofadinha, o policial corporativo truculento, o gerente corporativo com ares de superioridade etc.
Não que o uso do clichê seja um problema real, pelo contrário, a maioria dos personagens funciona muito bem na obra, mas em certos pontos parecem carecer de um tantinho a mais de aprofundamento e complexidade diante das vastas possibilidades abertas pelo autor em sua narrativa e nos conflitos que elas suscita.
Mas também vale frisar que o volume de páginas, que acho sim que poderia ser maior, também tem suas grandes vantagens para muitos leitores: Rio: Zona de Guerra é uma obra rápida, funcional e divertida. Começa, desenvolve e conclui deixando um pontada de “queria ver mais desse universo”. Para quem quer algo focado e fechado, temos aqui uma boa pedida.
Rio: Zona de Guerra entrega o que promete: é um livro divertido, criativo e claro, é uma Sci-Fi que sabe de seu papel como obra que precisa e deve levantar questionamentos do mundo real. A despeito do que há de inventivo, criativo e maluco no Rio de Janeiro de Lopes, vale a reflexão de o quão distantes estamos da segregação apresentada na obra e quanto tempo mais ainda falta para que comecem a se erguer algum tipo de muro físico entre as classes sociais de nosso país, porque os muros éticos, morais e sociais, estes, estes já erguemos há muito tempo…
Rio: Zona de Guerra | Sinopse e Ficha Técnica
Em um futuro próximo, as desigualdades sociais e econômicas chegaram a níveis tão alarmantes que o Estado não tem condições de manter a ordem e garantir a segurança pública.
Todo o poder é concentrado nas mãos de megacorporações multinacionais que criam e impõem as leis por meio de suas milícias particulares, chamadas Polícias Corporativas.
No Rio de Janeiro, a Fronteira, uma muralha intransponível que cerca a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, protege os interesses das megacorporações, relegando os habitantes dos demais bairros a uma vida sem lei em um território dominado pelas gangues.
Tudo pode acontecer quando o assassinato de uma prostituta no edifício de uma megacorporação leva um detetive particular a voltar para a Barra da Tijuca após anos de exílio no que todos se acostumaram chamar de Zona de Guerra.
Dados técnicos:
- Título: Rio: Zona de Guerra
- Autor: Leo Lopes
- Formato: 14×21 cm
- Tipo de capa: Supremo Cartão 250g
- Papel: Lux Cream 70g
- Quantidade de páginas: 208
- Ilustração de capa: Diego Cunha
- Projeto gráfico e diagramação: Roberto Hasselmann
- Revisão: Miriam Machado
- Editora:http://aveceditora.com.br/produto/rio-zona-de-guerra/
- Skoob:http://www.skoob.com.br/livro/381877-riozona-de-guerra
Sobre a AVEC Editora
A AVEC é uma editora nascida em 2014 que investe em escritores, desenhistas e quadrinhistas que estão dando seus primeiros passos na criação de histórias – mas já demonstram o talento de grandes autores.
Os livros da AVEC Editora podem ser encontrados na rede Fnac, Travessa, Cultura e Submarino. E os ebooks na Amazon, Apple, Kobo, Cultura e Travessa. Os leitores também podem comprar direto no site da editora: http://www.avecstore.com.br/
Compre Rio: Zona de Guerra na Amazon AQUI
-
100%
-
80%
-
75%
-
95%
-
85%
-
85%
Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.