Betina Barbosa era a adolescente esquisitona da cidade interiorana de Cruz Credo, divisa de Minas Gerais e São Paulo. Com pele pálida, o cabelo branco com uma única mecha negra, olhos de uma cor estranha, um gosto peculiar para roupas básicas como jeans e camisetas de bandas de rock e um gosto muito, muito mais peculiar para filmes antigos de terror…
Ao lado de sua melhor amiga, Lucila Machado, Betina tinha uma rotina normal na medida do possível que uma garota adolescente e órfã poderia ter em uma cidade interiorana de costumes conservadores e pacatos. Residente do orfanato Lar das Meninas, Betina estuda, troca confidências com Lucila, assiste velhos filmes de terror clássicos com lobos, múmias, vampiros e afins durante as madrugadas.
Talvez fosse essa a rotina da garota até que completasse a maior idade e tivesse que se virar por conta própria fora do Lar das Meninas, caso não fosse adotada no tempo limite. Mas as mudanças vieram antes e ainda aos 16 anos… E foram mudanças maiores, mais drásticas e mais significativas do que simplesmente ter 18 anos.
As mudanças começam quando a até então garota que era “somente esquisita”, porém completamente normal e comum, descobre-se uma sobrenatural: metade humana e metade vampira, Betina se vê mergulhada até o pescoço em um mundo extremamente similar ao mundo dos filmes que tanto adora.
As criaturas fantásticas que habitam a noite, os caçadores que as perseguem implacavelmente para defender a humanidade do terror que tais seres carregam em si, os poderes incríveis capazes de proteger sua vida ou de arriscar a vida dos que estão próximos… tudo que era fantasia e ficção passam a ser parte da vida de Betina.
Tudo no mundo da garota é um eco de histórias que a ela vivenciou inúmeras vezes nas madrugadas insones de sua vida pacata e tediosa enquanto ficava imersa no mundo do sobrenatural cinematográfico.
Mas nada era tão simples e objetivo como as histórias contadas em filmes e livros. Betina precisou fugir e procurar abrigo na casa dos pais de Lucila e aí tudo se torna ainda mais perigoso e complexo: a cidade de Cruz Credo é tomada pela chamada Inquisição Branca, uma antiga organização que há séculos caça, aprisiona e quando necessário executa os sobrenaturais, sejam eles puros ou mestiços.
E os pais de Lucila estão entre os agentes da Inquisição Branca e por pouco Betina, ainda descobrindo suas habilidades, consegue escapar; pagando um alto preço, mas escapando com vida.
Mas herdeira de um poder ancestral, Betina não chamou a atenção apenas da Inquisição Branca: seu pai e seu pequeno exército particular de seres sobrenaturais também já estava indo ao encalço da jovem mestiça. Ninguém menos que o próprio Conde Drácula e seu Castelo da Noite Eterna estão indo proteger uma das sobrenaturais mais importantes a surgir recentemente.
Betina Vlad | Uma narrativa especular e a homenagem ao imaginário assombrado
Douglas MCT deixa bem claro sua intenção com este divertido e ágil livro: ele quer divertir seus leitores e ao mesmo tempo prestar uma ótima homenagem à cultura do terror, do horror e do sobrenatural no imaginário coletivo pop.
Vampiros, Lobisomens, Múmias, o monstro do Dr. Frankenstein, zumbis, monstros metade homem e metade peixe, demônios com a pela mais negra que ébano, um cientista louco que se transforma numa criatura incontrolável… Muitas dessas criaturas ou variantes delas ocupam um sem número de narrativas midiáticas indo dos aspectos folclóricos de culturas antigas, passando por célebres livros como Drácula de Bram Stoker e Frankenstein de Mery Sheley, passando pelos quadrinhos da Marvel e DC, ou no cinema e games de tantas formas e modos que é impossível que não tenhamos esbarrado nesses seres ao menos em umas três dessas mídias.
Betina Vlad, o livro, é isso. Uma grande homenagem que trás em suas páginas mais uma visão, mais uma roupagem para seres tão enraizados em nossa mente. Mas que fique bem claro: o desafio de Douglas MCT não era somente revisitar tais criaturas e seus aspectos mais comuns e conhecidos, o autor precisava fazer isso de forma inteligente, criativa e original. E, pasmem, todos os requisitos foram cumpridos a contento na obra.
O livro que Douglas escreveu e que a AVEC Editora muito competentemente entregou ao mercado numa edição bonita, bem diagramada e com extras com ares de HQ – ou de jogo de RPG – são um adendo e tanto na criação do universo consistente e coeso ofertado pelo autor. Tudo, desde a belíssima capa até as fichas dos personagens ao final do livro nos ajudam a embarcar na aventura de Betina Vlad e seus jovens amigos pelos becos sombrios do mundo sobrenatural.
É curioso notar já nos primeiros capítulos do livro o empenho de Douglas na produção de uma narrativa que espelha o estilo de Bram Stoker em seu célebre livro Drácula. O livro é escrito na forma de diário por Betina e alterna com correspondências de e-mails trocados entre alguns dos personagens da trama, o que nos remetem diretamente ao que Stoker fez ao narrar seu livro todo na primeira pessoa na forma de cartas, diários e relatos narrados em jornais, dando um sentido de imersão e assombro vindo diretamente do que cada personagem vivenciava no decorrer do ato narrativo.
Douglas empresta essa dinâmica ao seu livro e, como disse antes, nos entrega uma bela homenagem ao que há de melhor no Terror Clássico. Aqui não tem lugar para vampiro brilhando ao Sol. Pelo contrário, aqui vampiros, lobisomens, múmias e zumbis habitam as sombras mesmo.
Betina Vlad, a personagem, por sua vez é um reflexo dos jovens nascidos na aurora do século XXI: impetuosa, sarcástica, irônica e carregando em si um certo ar de melancolia e vazio existencial típico dessa geração que tem tanto e ao mesmo tempo não tem nada.
Betina Vlad, órfão de pai e mãe, de repente se descobre ainda mais diferente, ainda mais só no mundo e, mais uma vez, de repente descobre que faz parte da elite dos seres sobrenaturais, que sua sensação de solidão, estranhamento e diferença se justificam clara e evidentemente diante de seus olhos quando seus dons afloram e os agentes da Inquisição Branca vem ao seu encalço…
O espaço vazio que separa Betina dos outros jovens de sua idade é amplificado ainda mais quando o espaço que separa humanos de sobrenaturais vem cobrar seu preço na forma de uma perseguição violenta e implacável.
Mas Drácula também se lança na busca pela garota com seus aliados e vem para proteger Betina e, posteriormente, estas mesmas criaturas estranhas se tornarão seus tutores, professores e acima de tudo, seus amigos e família.
Entre tantos seres fantásticos e que povoam a mente da garota, ela percebe seu lugar e entende que no meio deles ela é “só mais um ser especial”. O fato de ser filha do maior e mais poderoso de todos os sobrenaturais não lhe garante nenhum status especial no Castelo da Noite Eterna, pelo contrário, Betina Barbosa que recebe o codinome de Betina Vlad precisa dar duro e estudar seus dons e habilidades como qualquer outro jovem sobrenatural que está ali.
Aprender a dominar tais dons é a única garantia de que a garota pode sobreviver num mundo onde até mesmo seres como Drácula são caçados há séculos e sobreviver é mais do que uma questão de ser especial, é uma questão de extinção de toda uma “raça”.
E sim, há muitos outros estudantes originários de muitos outros países e que são ligados a outras criaturas místicas: pés grandes, faunos, banshees, fantasmas orientais, garotos metade humano e metade peixe, elfos, garotos lobos… cada um deles vai chegando de mansinho e ocupando um lugar na história de Betina e na percepção do leitor.
E todos os personagens apresentados por Doulgas MCT tem sua cota de participação no destino de Betina e da raça dos sobrenaturais de forma geral. As habilidades dos jovens seres fantásticos será posta à prova ao longo da narrativa e tudo que lhes foi ensinado nas salas do Castelo da Noite Eterna será cobrado de forma incisiva quando a hora mais escura chegar.
Com absoluta certeza você vai se pegar imaginando cada uma deles e fazendo as devidas associações com a ilustração da contracapa do livro (belíssima por sinal). Você vai traçar as características de origem e “rastrear” a que monstro clássico cada jovem personagem remete. Mais um ponto para Douglas MCT como escritor e para o time da AVEC Editora no trabalho de lapidação da obra e de transformar textos em imagens.
Vale ressaltar que o próprio Castelo da Noite Eterna é um ilustríssimo personagem na trama do livro, tanto quanto é um personagem ilustríssimo em uma dezena de obras com vampiros, se é que você me entende.
Betina Vlad | Um diálogo com o tempo, com a diferença, com respeito e a inclusão
Para além da diversão, das referências inteligentes aos monstros que habitam o sobrenatural da cultura pop, Douglas MCT também nos entrega uma obra que tem uma pauta bem clara, evidente e cara para os dias de hoje: inclusão.
Neste livro o leitor pode perceber – alguma vezes bem sutilmente, outras bem escancaradas – que Douglas quis dar uma substância a mais ao seu texto, nos trazendo a reflexão sobre o lugar do diferente no mundo, não só do diferente, mas acima de tudo do diversificado.
A narrativa do monstro alienado do meio humano sempre foi uma analogia/metáfora cara para muitos artistas indo de desenhistas, escritores, cineastas e poetas; sempre que se fazia necessário falar do diferente a metáfora dos monstros se fazia presente e cara aos criadores de grandes obras.
A situação de Betina é clara desde o começo do livro e a caçada empreendida aos sobrenaturais pode ser entendida como muito do que se vê no mundo de hoje a tudo que é diferente do chamado “padrão normativo”. Daí você joga para a analogia que lhe convier no que se refere a este ou aquele padrão normativo ou a esse ou aquele grupo social, político e cultural.
A narrativa de Betina Vlad em muitos pontos me remeteu à obras como X-Men e Novos Titãs de uma lado, e Penny Dreadful e Supernatural de outro. Aqui o leitor pode encontrar a perspectiva do jovem descobrindo poderes e habilidades ao mesmo tempo que precisa aprender a controlar tais dons, uma vez que estão cercados de um mundo que os odeia tanto quanto os teme.
Betina Vlad vem nos lembrar de que as obras não devem nunca se alienar dos temas do mundo onde se inserem, que tais obras vem de encontro aos debates que suscitam obras anteriores como as já citadas X-Men e Penny Dreadful; obras que questionam constantemente quem são os verdadeiros monstros em nosso mundo, algumas vezes de forma clara e óbvia, outras de forma sutil e alegórica.
Ao utilizar-se das mesmas alegorias e metáforas, Douglas MCT levanta mais uma vez as discussões sobre a diferença, o respeito e a inclusão, lembrando o tempo todo que qualquer um, por mais diferente que seja, tem seu lugar ao Sol, mesmo aqueles que podem morrer sob sua luz.
Destinada aos jovens leitores, Betina Vlad & O Castelo da Noite Eterna também tem seus ecos de jovens aventuras que ocupam o imaginário da cultura pop: Harry Potter, Coraline, Percy Jackson e Jogos Vorazes são alguns desses ecos. Jovens protagonistas, magia, habilidades em descoberta e aprimoramento, uma adolescente impetuosa à frente de tudo, às vezes inconsequente, mas que sabe a hora de aprender com seus erros e limites.
Para fazer um comparativo bem, bem recente mesmo, acho que Betina Vlad se assemelha demais com o livro A Justiça Chama: Magia em Jogo Vol.1, também da AVEC Editora, mas é uma semelhança de conceito geral mesmo: magia, seres fantásticos, protagonistas femininas, segredos envolvendo a origem de personagens, uma protagonista oculta em uma cidade pequena do interior. A diferença é que particularmente achei Betina Vlad mais criativa e divertida.
Douglas MCT dosa bem sua ação, seu desenvolvimento de personagens e claro, uma boa cota de violência necessária ao universo sobrenatural, mas nada que seja desnecessário ou gratuito, só fica a recomendação para os jovens, talvez alguns pais achem que a obra possa ser um tanto sanguinária para os pequeninos.
Convenhamos, não dá pra falar de monstros com garras, presas e super-força entrando em combate com caçadores impiedosos e não haver algum tipo de confronto violente e as consequentes mortes envolvidas nesse processo.
Ademais, deixo aqui a recomendação para esta ótima leitura lançada em 2018 e que veio enriquecer ainda mais o catálogo da AVEC Editora no gênero Fantasia/Ação, ainda mais se tratando de uma obra nacional que não deixa nada a desejar, tanto no conteúdo quanto na forma, à obras estrangeiras.
Para quem curte sobrenatural em novas roupagens, ação, um quê de referência ao mundo dos RPGs com uma pita de flerte com HQs de super-heróis, está aqui um prato cheio. E o melhor de tudo? As portas ficam abertas para um universo expandido a ser explorado…
Betina Vlad & o Castelo da Noite Eterna | Sinopse
Em O Castelo da Noite Eterna, Betina Vlad, uma jovem que aos dezesseis anos descobre que é uma sobrenatural, filha de Drácula, parte em uma jornada de aventura e terror por um castelo que guarda segredos, desafios e uma traição. Tudo isso enquanto ela e seus novos amigos monstros tentam resgatar uma garota como eles das garras da Inquisição Branca, ao mesmo tempo que são perseguidos por Van Helsing
Betina Vlad & o Castelo da Noite Eterna | Dados técnicos
Sobre a AVEC Editora
A AVEC é uma editora nascida em 2014 que investe em escritores, desenhistas e quadrinhistas que estão dando seus primeiros passos na criação de histórias – mas já demonstram o talento de grandes autores.
Os livros da AVEC Editora podem ser encontrados na rede Fnac, Travessa, Cultura e Submarino. E os ebooks na Amazon, Apple, Kobo, Cultura e Travessa. Os leitores também podem comprar direto no site da editora: http://www.avecstore.com.br/
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Betina Vlad & o Castelo da Noite Eterna
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.