Se perguntarem para você como vai a Ficção Científica Nacional, responda: vai bem, obrigado por perguntar. E dê a quem lhe fez a pergunta um exemplar de Véu da Verdade, do autor brasileiro J.M. Beraldo.
Para quem curte uma boa Sci-Fi espacial com doses de ação e humor, a obra de Beraldo é prato cheio de todas essas coisas. Durante a leitura de Véu da Verdade não foram poucas as ocasiões em que me veio à mente uma mistura de Star Wars e Guia do Mochileiro das Galáxias, com umas pitadas de Star Trek.
A jornada dos personagens de Beraldo se inicia no prelúdio, quando a primeira missão espacial humana de longuíssima distância encontra uma “barreira” que nossa raça não deveria transpor e um incidente diplomático de proporções extra-planetárias e de consequências desastrosas nos lança definitivamente na corrida aeroespacial.
Mas ao invés de disputarmos com nós mesmos essa nova corrida, entre as estrelas encontramos um universo riquíssimo, cheio de espécies vivendo ora em cooperação, ora em disputas dentro ou fora da jurisdição da Liga dos Mundos… nada muito diferente do que conhecemos na Terra mãe.
Véu da Verdade | A tripulação de Lucille e os seus passageiros
Muito tempo depois do chamado Dia da Revelação, alçamos voo mais longos e formaços nossa entrada no cosmos. Beraldo nos leva para essa jornada a bordo do cargueiro Lucille, sob o comando do capitão Gerard Baudin e uma turma de desajustados ao melhor estilo “Han Solo”.
Apesar de ser uma nave cargueira, Lucille também faz fretes para transportar “pessoas” em viagens diversas quando necessário e quando o pagamento é condizente, claro.
A bordo da nave embarcam 3 novos passageiros que acabam rumando para um destino comum, cada um deles em diferentes momentos e com diferentes motivos, completando a tripulação que, precisa chegar ao seu destino, sobreviver a um caçador de recompensas e a uma caçada equivocada empreendida pelas forças de segurança da Liga dos Mundos devido a um grande, grande mal entendido na Estação de Comércio Ullinah, dentro da Zona Independente.
- Gerard Baudin – humano originário da França, o capitão de Lucille tem uma longa história por trás de sua jornada pelo cosmos que seus companheiros de viagem não conhecem por completo;
- Flávia – uma brasileira ativista pelos direitos da Amazônia e de suas populações indígenas que acaba tendo de partir da Terra para tentar a vida entre as estrelas, acaba criando uma grande amizade com Baudin desde o começo de sua carreira em Lucille;
- Ngari Kabela – humano minerador e mecânico originário do cinturão de asteroide após a expansão de nossa raça pelo sistema solar;
- L’yy – alienígena da raça tho’yykoth e médico da tripulação de Lucille, utiliza seus nanobots para reparos tanto nos humanos quanto na própria nave.
- Awerg – a inteligência artificial que controla todas as atividades e funções da nave Lucille. Sarcástico, mordaz e irônico, Awerg não perde nenhuma oportunidade de atacar os humanos com suas palavras e comentários seja a ocasião que for.
- U-Thaw – alienígena da raça karizar e funcionário de alfândega da Estação de Comércio Ullinah. U-Thaw embarca em Lucille por conta de um incidente nas dependências e Ullinah que o aproxima, a contragosto, do capitão Baudin
- Kee – alienígena de uma raça estranha que pode assumir formas diversas, na ocasião se parecendo com um senhor humano, embarca em Lucille para chegar ao exótico planeta Ganthak 4 com a finalidade de realizar coletas e pesquisas na fauna e flora do planeta,
- Carlos – estudante humano e auxiliar de Kee em sua pesquisa em Ganthak 4
- Lorde Opar ji Sarakar III – é um proeminente nobre da União Corporativa Phsylwa e dono de uma lua. Acompanhado diuturnamente por câmeras flutuantes que registram sua vida e a transmitem para o cosmo numa espécie de “reality show”; o prestígio de sua raça, em certa medida, é pautado por essa super-exposição; Lorde Sarakar III está rumando para Ganthak 4 para um safári especial que, assim como sua vida, será transmitido em tempo real.
- Arturo Ramazzati – fecha o circulo de personagens da trama; Arturo é um caçador de recompensas dotado de habilidades psíquicas e telepáticas que empreende uma busca mortal atrás dos rastros da tripulação de Lucille por motivos completamente desconhecidos…
O time criado por Beraldo é aquele típico grupo de desajustados, párias, rejeitados, brigões e encrenqueiros que se unem por acaso, por comodismos, falta de opção ou alguma intempérie do destino que acha de bom tom unir pessoas e criaturas tão diferentes entre sim, mesmo aqueles que tem a espécie humana em comum.
Tem o capitão cheio de mistérios com ar de cafajeste bem humorado de passado nebuloso, o cara grandão marrento que se dá melhor consertando naves do que batendo papo, a garota reflexiva que questiona seu papel nisso tudo e tem amplo sendo de ética e justiça, o baixinho encrenqueiro valentão que poderia muito bem ser um anão birrento de um livro de fantasia e outro tanto de clichês que, numa primeira passada d’olhos, poderia desagradar o leitor que já viu muito disso por aí em alguma outra obra…
Mas calma, dê essa chance para o que Beraldo fez em Véu da Verdade, pois mesmo recorrendo ao uso de alguns clichês muito, muito batidos, o humor e a dinâmica de ação da obra nos entregam uma leitura bem pontual e divertida que dosa boas ideias, texto ágil e uma construção de universo bem coesa e consistente.
Quem aí nunca se deparou com a tripulação com toda aquela cara de “saltimbancos”, meio mercenários, meio justiceiros, meio cangaceiros do espaço? Exatamente como ocorre em Cowboy Bebop, Star Wars ou Guardiões da Galáxia? Pois é, mas aqui você tem aquele temperinho à moda do chefe, e o chefe é brasileiro até o tutano e isso tem uma grande influência e importância no texto do autor e na abordagem de seus personagens.
Aqui Beraldo também recorre ao recurso da Sci-Fi como forma de crítica, metáfora, alegoria e reflexão da condição humana. A perspectiva que nós brasileiro temos de um povo colonizado e explorado é a perspectiva que Beraldo dá aos humanos de modo geral dentro de sua narrativa.
Véu da Verdade | Um pequeno passo para a humanidade…
Nossa raça chega atrasada ao cosmos, e quando chegou lá fora cada “esquina” planetária já estava ocupada por um punhado de raças que se engalfinhavam por seu lugar de direito entre as estrelas.
Utilizando de refugo tecnológico de outras raças, os humanos acabaram sendo relegados a um posição de humilhação e subserviência para povos mais fortes e mais evoluídos tecnologicamente, ou até mesmo recorrendo à clandestinidade para burlar os limites e cobranças autoritárias da quase onipresente Liga dos Mundos. A perfeita relação entre colonizadores e colonizados. E você já sabe onde quero chegar, não é?
Nossos heróis se inserem nesse aglomerado de raças, criaturas e tecnologias que, de algum modo, parecem sempre nos tratar com desdém ou completo desinteresse; essa dinâmica abordada por Beraldo em Véu da Verdade não poupa críticas ácidas, comentários sarcásticos e posicionamentos incisivos, ora de forma escancarada, ora de forma sutil e discreta percebemos a veia crítica do autor se espalhando pelo trajeto narrativo de sua obra, dando-lhe identidade e originalidade até mesmo no que é comumente usado no gênero Sci-Fi.
Mas claro, aqui temos essencialmente um livro de Sci-Fi de ação e nisso Beraldo também é uma ótimo narrador, entregando-nos boas cenas de combate espacial ou perseguições um contra um ao melhor estilo “pistoleiros do espaço”. Suas batalhas ou ações com naves contam com ótimas ideias e conceitos muito interessantes sobre a tecnologia de algumas das raças que criou, sem dever em nada para os bons filmes, games ou séries amplamente conhecidas da Sci-Fi.
Já no âmbito individual, seus personagens, como já frisei mais acima, recorrem a um bom número de clichês de diversos gêneros e mídias, porém Beraldo sabe utilizar tais clichês a seu favor dando aquele tempero à brasileira. A dinâmica entre eles também flui de forma bem natural e claro, devido ao número um tanto grande de personagens, alguns tem mais espaço e evolução que outros, nada muito drástico na construção geral do grupo, mas deixa aquela pequena sensação de que alguns poderiam ser mais explorados e a obra um pouco mais volumosa.
Mas tudo corre bem e Beraldo nos entrega uma trama redonda e bem fechadinha que tem potencial de sobra para agradar tanto o leitor iniciante quanto os leitores da velha guarda. Particularmente acredito que os leitores mais afeitos ao que se faz em outras mídias como games e HQs tem aqui o foco principal, pois Véu da Verdade tem toda a cara de obra contemporânea que bebe direto dessas fontes e seus modos particulares de narrar, o que aproxima o livro de Beraldo desses segmentos, por exemplo, do que de um livro de Sci-Fi clássica, fato esse que o perfil de Beraldo explica bem.
Meu único “senão” à narrativa de Beraldo fica mais por conta da revisão textual do livro. Vi ao longo da obra uma série um tanto incômoda de pequenos erros de revisão e um ou outro nome de alguma raça grafado de umas duas ou três formas diferentes ao longo do livro, como, por exemplo, a raça do médico alienígena L’yy, ora grafado como tho’yykoth e algumas páginas depois aparecia grafado como thoy’ykoth. Prejudicou o entendimento da obra? Em hipótese alguma, mas numa obra de 216 páginas a recorrência de algumas dessas falhas me incomodou um pouco.
No saldo geral temos aqui um ótimo exemplo do trabalho de autor brasileiro que sabe se inspirar e ao mesmo tempo criar seus próprios temas e recursos narrativos. Véu da Verdade, como já disse antes, é um livro divertido, inteligente, criativo com uma narrativa cheia de ação, bom humor e ótimas reviravoltas. Vale o lugar na estante sem dúvidas.
Véu da Verdade | O Autor
João Marcelo Beraldo é um nômade carioca que ganha a vida como game designer. Tem contos publicados na revista Scarium (2006, 2008), nas antologias Brinquedos Mortais (2012) e Sagas 4 (2013), publicou os romances Véu da Verdade (2005) e Taikodom: Despertar (2008), criou o conteúdo dos jogos Taikodom (2007-11), Pet Mania (2011), World Mysteries (2011-12) e Flying Kingdoms (2012), e escreveu uma penca de ebooks de RPG pela Eridanus Books. Tem ideias demais e tempo de menos, mas jura que um dia coloca tudo para fora.
Veja muito mais sobre o autor e sua obra em seu site: https://www.jmberaldo.com/
Véu da Verdade | Sinopse
No fim do século 21 nós descobrimos por puro acidente que não estávamos a sós no universo. Setenta anos depois, a maioria da Humanidade já tinha resolvido procurar novas oportunidades fora da Terra. É o caso de Flávia.
Após perder o emprego em um projeto na Amazônia, Flávia resolve se junta à tripulação de Lucille, um cargueiro espacial centenário (para não dizer caindo aos pedaços). A tripulação embarca em uma jornada de exploração até Ganthak 4, um planeta selvagem sob os olhos atentos da monolítica Liga dos Mundos.
Entre seus passageiros estão um cientista pacifista capaz de matar com um pensamento, uma subcelebridade alienígena perseguida por câmeras inteligentes, um segurança com um estranho código de honra e um jovem estudante que parece ter embarcado na nave errada. A viagem se torna ainda mais complicada quando surge um caçador de recompensas disposto a tudo para capturar o capitão da nave.
Juntam-se ao elenco o capitão Gerard Baudin, o minerador de asteroides Ngari Kabela, o médico alienígena L’yy, que cuida de pessoas e máquinas com o mesmo cuidado, e Awerg, uma inteligência artificial com pouquíssimo amor por seres humanos. Ao longo da jornada a trupe se depara com dezenas de desafios inesperados em meia dúzia de mundos estranhos.
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.