Rumo ao Sul é um livro bem simples: um romance de busca, descoberta, dor, sofrimento e reconstrução que se entrelaça com o romance de formação e a narrativa do romance estilo road trip.
É uma bela jornada de perda e descoberta embalada numa narrativa simples, porém repleta de simbolismos, reflexões e momentos de singela delicadeza.
O livro é prato cheio para os leitores que buscam uma leitura leve, mas que toque nos sentimentos. Rumo ao Sul também é um livro extremamente pertinente aos dias atuais refletindo sobre o papel da família, da religião e do indivíduo diante do mais complexo dos espelhos: outro ser humano…
Na obra de Silas House, acompanhamos o pastor Asher Sharp em sua jornada pessoal de desconstrução e reconstrução ao longo de aproximadamente 270 páginas de narrativa simples, direta, por vezes até mesmo seca, porém muito substancial para aqueles que tem a cabeça aberta para perceber o que foi feito neste livro.
Asher Sharp mudou ao longo dos anos assim como o mundo ao seu redor. Passou a se questionar sobre certos valores contidos em sua religião e nos preceitos que segue. Sua noção de pecado, perdão e amor mudaram tanto ao ponto que nem ele nem sua esposa conseguem mais se reconhecer.
A tempestade que inunda o rio Cumberland trás uma enxurrada que arrasta terra, árvores e pessoas no sentido físico do verbo arrastar. Mas também arrasta no sentido metafórico.
Ahser Sharp, típico pastor daquelas cidadezinhas americanas do interior dos EUA, também é arrastado pela enchente, mas nesse caso Ashar Sharp é um dos arrastados metaforicamente, tal qual o dilúvio que “limpou” o mundo nos textos do velho testamento.
Disposto a tudo para salvar seus familiares, vizinhos e amigos, Asher se lança num resgate perigoso, quase suicida, mas essa é sua índole, isso é o que aprendeu nos anos em que tem sido pastor na congregação de Cumberland Valley: amar o próximo como ama a si mesmo.
Em meio a tragédia da enchente Asher acolhe, mesmo que rapidamente, um casal gay em sua casa, não tempo suficiente para conhecê-los de verdade, mas tempo suficiente para que sua esposa, Lydia, extremamente conservadora e preconceituosa, acabe impedindo a real acolhida dos dois rapazes na residência dos Asher.
O incidente, pontual e crucial na vida dos Sharp, desencadeia uma guerra familiar entre Asher e Lydia e outra disputa ainda maior entre Asher e sua congregação pela aceitação do casal de rapazes que, após o período da enchente, tentou frequentar a igreja, sendo prontamente rechaçados pela comunidade local, em sua maioria pessoas de mente fechada e conservadoras, tanto quanto Lydia.
Diante da injustiça e hostilidade dentro de sua própria igreja, Asher assume as rédeas da situação e num sermão que mistura desabafo, desapontamento e lição de vida, assume a postura de defender o jovem casal gay confrontando seus seguidores e questionando suas convicções e posicionamentos diante da necessidade de acolhimento dos que precisam de conforto, amor e respeito.
Mesmo sabendo do preço que iria pagar, Asher não recua e, sendo filmado por uma garota em seu discurso inflamado, porém justo, o pastor acaba, como muitos por aí, vítima do tribunal da inquisição da internet.
Julgado e condenado culpado por muitos, Asher também encontra o apoio de outros tantos, mas não o suficiente para manter seu posto como pastor e nem como marido e pai. No entanto, no fim das contas Asher toma a a decisão de abandonar a congregação antes disso, uma vez que os ideias e princípios nos quais acredita não estão mais alinhados com os de sua comunidade.
Mas a decisão do fim do casamento é uma decisão unilateral por parte de Sharp que não reconhece mais na esposa a jovem singela e delicada dos anos de namoro, também saltam aos olhos do ex-pastor a visão de que sua esposa é uma mulher preconceituosa, intolerante e de mente fechada pelos toldos do fanatismo religioso. A convivência entre eles se torna insustentável.
Mas Asher já havia perdido muito desde a enchente no rio Cumberland e decide contrariar todos os princípios da lei e leva, para longe de tudo e todos, sei filho Justin num fuga desesperada e irracional numa tentativa de preservar ao menos esse laço de amor familiar depois que se dá início ao processo de divórcio do casal Sharp.
E assim começa a vida de Asher e Justin Sharp para descobrir o mundo que existe após o dilúvio e nele encontrar um novo lar.
Rumo ao Sul | A busca por Luke Sharpe
Após a fuga com o pequeno Justin, Asher tem um objetivo claro em sua jornada: encontrar seu irmão Luke Sharp de quem só recebe depois de muitos anos alguns postais com pequenas e sutis pistas de seu paradeiro.
A relação entre Asher e Luke foi abalada e interrompida pela partida de Luke após assumir sua homessexualidade para a família, desde essa dramática separação que os irmãos não se entenderam e o casamento de Asher com Lydia só os afastou ainda mais, um sinal de que desde jovem Lydia já demonstrava seu tom intolerante e preconceituoso.
Rumo ao Sul se sustenta muito na construção dessa busca, alternando a preocupação de Asher em manter seu filho oculto das autoridades e na descoberta do paradeiro do irmão mais velho. Desse modo acompanhamos pai e filho rumando para longe de casa justamente para buscar um novo lar, mesmo que este lar seja temporário e ofuscado pelo medo da busca que será em breve empreendida pela polícia por conta do sequestro de Justin.
É interessante notar mais uma vez como Silas ergue ao redor de pai e filho uma história sobre descoberta e construção do ser humano não só pela ótica do indivíduo que protagoniza a narrativa, mas também pela visão dos que estão ao seu redor. A descoberta de novos amigos e novos lugares desperta em ambos um novo senso de percepção de mundo e de autodescobrimento.
Engraçado notar como o autor contrasta constantemente a figura do pai e do filho diante das mesmas situações e pessoas, bem como a maneira como cada um reage ao acolhimento por parte dessas pessoas que conquistam em sua pequena jornada.
Mas acima de tudo é curioso notar como Silas House transforma a ausência de Luke Sharp num elemento que acaba por torna o personagem uma figura cuja força é justamente estar ausente, existindo em lembranças e memórias quase fantasmagóricas.
Ao longo do livro vamos gradativamente conhecendo Asher Sharp com mais detalhes e suas ações vão ganhando mais significado e suas motivações vão ficando mais claras. Percebemos bem que Silas House quer dar ao seu personagem não só sua cota de ousadia desesperada, mas acima de tudo, quer dar sua dose de epifania e “salvação” fazendo as pazes não só consigo mesmo, mas com suas próprias escolhas e decisões.
Nesse processo de catarse do personagem, os coadjuvantes do livro tem papel de suma importância, dando novos rumos, novas perspectivas e motivações para o ex-pastor que acaba, no fim das contas, encontrando seu rumo não só para o Sul, mas para a tão almejada redenção.
Escrito de maneira simples tanto no texto quanto na forma (mas não de forma simplória, que fique claro), Rumo ao Sul pode não ser uma grande obra — nem todo livro precisa ser a “grande revolução de Literatura” —, mas justamente nessa simplicidade de forma é que está o charme deste belo livro: uma pequena obra que aborda grandes dramas, temas e situações de forma simples, nos lembrando que cada grande tema da humanidade é um pequeno drama diário, é um punhado de vidas em constante conflito consigo mesmas e outro tanto de conflitos entre um milhão de pessoas diferentes diariamente.
A trajetória de Asher Sharp e seu filho Justin é aquele misto de jornada de descoberta e retorno às origens, um misto de romance de formação e “american road trip”, Silas House é competente no processo de criar essas misturas nos entregando uma obra ao mesmo tempo inteligente, pertinente para o contexto e reflexiva sem nos subestimar como leitores e pessoas. E tudo isso sem perder a beleza da simplicidade de uma obra delicada e emocionante.
Ao final dessa singela jornada Rumo ao Sul, se você não sair minimamente transformado assim como cada personagem apresentado aqui, talvez você precise ser “levado” também por uma enchente transformadora…
Não tenho nenhuma crítica severa ao livro, Silas é um bom escritor que sabe dosar objetividade, sentimento e objetividade em sua narrativa, se há algo que eu melhoraria nessa obra é apenas dar mais espaço para Luke Sharp, senti que o personagem poderia ter mais espaço narrativo e de fala na obra, pois seu “espectro” é sentido o tempo todo ao longo do livro e depois achei que ficou faltando um pouco mais da voz deste personagem no desfecho da história.
Rumo ao Sul | Sobre o autor
Silas House é um prestigiado escritor norte-americano. Autor de mais de cinco romances, seus livros sempre aparecem na lista dos mais vendidos do The New York Times. Ele também é jornalista, crítico musical, roteirista e ativista de causas ambientais.
House é conhecido pelas histórias rurais e pela elaboração cuidadosa de grandes personagens da vida comum. O autor raramente é publicado fora dos Estados Unidos, pois especializou-se em escrever sobre temas locais, paisagens rurais e a cultura dos Montes Apalaches.
Esta obra é uma grande oportunidade para conhecê-lo. Em 2018, foi listado como um dos 10 escritores mais proeminentes do país.
Rumo ao Sul | Ficha técnica
- Título: Rumo ao Sul
- Nº de páginas: 270
- Capa comum: 272 páginas
- Editora: Faro Editorial (11 de fevereiro de 2019)
- Idioma: Português
- ISBN-10: 8595810567
- ISBN-13: 978-8595810563
- Dimensões do produto: 23 x 15,7 x 2 cm
- Peso de envio: 449 g
- Preço: R$ 39,90
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.