O Livro É | Uma Mulher na Escuridão, de Charlie Donlea

Em Uma Mulher na Escuridão, o serial killer apelidado de “O Ladrão” aterrorizou a cidade de Chicago ao longo da década de 1970, sua prisão se deu pelos esforços de Angela Mitchell e sua ferrenha determinação e metódica compulsão, ambas advindas de seu Autismo…

40 anos depois, o Ladrão será posto em liberdade e Rory Moore descobre, após a morte deo pai, que ele ao longo das últimas décadas exerceu a função de advogado e procurador do Ladrão, cuidou de suas finanças, seus bens e peticionou vários pedidos de soltura para seu detestável cliente…

Ao tomar parte do caso e suas peculiaridades, Rory acaba se envolvendo com uma história complexa, incompleta e seu caminho começa a se cruzar com o de Angela Mitchell, considerada a única vítima comprovada do Ladrão, mas ao que tudo indica, a morte de Angela não é o que parece…

Uma Mulher na Escuridão | Charlie Donlea se superando…

Mais uma vez e de forma extremamente hábil, o escritor Charlie Donlea nos leva para um passeio por paisagens obscuras, por momentos distintos no tempo-espaço narrativo, constrói expectativas, as destrói positivamente em seguida e recomeça tudo novamente nos levando ao lado de um grande elenco de personagens, claro, com destaque absoluto para suas protagonistas que, firmam mais uma vez a posição do autor como um dos grandes escritores atuais a dar voz, vez, espaço e protagonismo para mulheres comuns e por isso mesmo especialíssimas.

capa do livro Uma Mulher na Escuridão, de Charlie DonleaComo em suas obras anteriores, Uma Mulher na Escuridão nos apresenta duas narrativas que em algum momento do livro irão se cruzar — isso quando não surgem já cruzadas a nós — e nos levar por uma jornada de tensão, angústia e curiosidade quase incontroláveis para descobrir mais uma complexa trama criada por Donlea para nos enredar em sua história.

Em Uma Mulher na Escuridão mais uma vez Donlea nos une lado a lado com suas protagonistas para uma história cuja tônica flerta com o que há de melhor do estilo Noir mesclado com o thriller investigativo moderno, resultando em uma trama que lembra em diversos momentos o perturbador Silêncio dos Inocentes ou o instigante Os Homens Que Não Amavam as Mulheres.

Em uma narrativa que alterna momentos de análise, desenvolvimento de personagens e momentos de extrema tensão e suspense, Uma Mulher na Escuridão é, a meu ver, o livro mais versátil de Donlea — apesar de meu favorito ainda ser Deixada Para Trás — pois nesta narrativa o autor consegue habilmente nos guiar através do padrão de seus livros anteriores e nos dá a falsa sensação de que estamos diante de uma obra cuja tônica é “descobrir quem é o assassino em meio a tantos possíveis suspeitos”…

Mas antes da metade do livro percebemos que o mistério aqui é outro. E acredite, isso nos instiga ainda mais a mergulhar na escuridão que dá título ao livro.

Mas mesmo quebrando algumas de suas estruturas narrativas preferidas, Donlea mantém sua identidade e estilo firmes e fortes, aspectos como a narrativa multifacetada no tempo, os múltiplos focos narrativos sendo alternados entre duas protagonistas, os coadjuvantes que são determinantes para o desenvolvimento e condução da história, o lugar das mulheres fortes e de habilidades peculiares, a personagem ausente que guia a determinação da personagem presente…

Está tudo aqui em Uma Mulher na Escuridão, só que dessa vez tem um tempero a mais que, claro, você vai ter de descobrir lendo.

Uma Mulher na Escuridão | Rory Moore em busca de Angela Mitchell

Apesar do recurso das duas protagonistas separadas no tempo ser algo repetido na obra de Donlea (seus três livros anteriores se apoiam muito nessa dinâmica), aqui a construção de Rory Moore e Angela Mitchell é algo bem pontual, pois dessa vez Donlea abandona o conforto das pessoas ditas comuns e até corriqueiras: a médica legista bem sucedida, a adolescente universitária promissora, a jovem inteligente que está terminando o ensino médio e ruma para universidade em breve, a repórter investigativa versátil, a apresentadora que cria um documentário de sucesso…

Aqui em Uma Mulher na Escuridão conhecemos duas protagonistas peculiares, diferentes entre si e diferentes das pessoas ditas “normais”, mas capazes de nos passar grande empatia, sobretudo Angela Mitchell, cuja condição autista a torna uma intrusa na sociedade da década de 1970 quando a condição ainda não havia sido diagnosticada e compreendida.

Para aqueles ao seu redor, Angela Mitchell era apenas uma pessoa com transtornos muitos transtornos mentais que deveriam ser tratados de algum modo.

Uma mulher na Escuridão

Extremamente sensível, Angela se atormentou com a trajetória do Ladrão e sozinha criou um dossiê sobre a área de atuação do criminoso, analisou rotas, locais e colecionou recortes de jornais para montar a narrativa que poderia pôr fim a tudo aquilo.

Mmas sua compulsão e a necessidade de medicamentos acabam por torna sua vida pessoal em puro caos. Um caos que Donela nos transmite com extrema maestria, e não são poucas as ocasiões em que o mal estar de Angela nos atinge com imensa força e desconforto.

Rory Moore nos transmite o oposto de Angela: extremamente forte e determinada, Rory é perita em reconstituição de cenas de crimes e capaz de identificar situações, pistas e dados que podem passar despercebidos por peritos e legistas em uma primeira olhada.

Peculiar nas atitudes, Rory é ainda mais em seu “traje de combate”: sobretudo cinza (que lhe rendeu o apelido de Grey), calças pretas, coturnos, um gorro puxado até quase até altura dos olhos e óculos de aro por cima das lentes de contato… Ah, além de reconstituir cenas de crimes, Rory também é uma grande restauradora de bonecas de porcelana, dom ensinado por sua tia Greta.

Assim como Angela, o caminho de Rory cruza com o do Ladrão. Apesar das ocasiões distintas, a existência nefasta do criminoso une o destino dessas duas mulheres mesmo depois de 40 anos. Sobretudo pela relação que há entre Frank Moore, pai de Rory e o criminoso prestes a sair em condicional.

Após essas quatro décadas de confinamento, Rory se pergunta como e porque motivos seu pai, Frank Moore, dedicou tantos anos de serviços para um criminoso como o Ladrão? E por que ao longo de todos esses anos nunca revelou para a filha esse trabalho? Por que só após sua morte a relação entre Frank e o criminoso surgiu entre os casos do escritório de advocacia de Frank?

É diante dessas dúvidas que Rory se lance em direção ao passado do Ladrão e nele encontra os poucos vestígios deixados porá Angela Mitchell e, a partir disso, começa a imaginar que talvez Angela não esteja morte… e ironicamente, já contando com sua vindoura liberdade condicional, o Ladrão tem, ao contrário de Rory, a certeza absoluta que Angela Mitchell não está morta.

É nesse mar de pontos de vista, situações aparentemente desconexas, personagens incomuns, situações inquietantes e um mistério que vai além do “descobrir quem é o assassino” que Charlie Donlea nos guia por aquele que tem tudo para ser um dos melhores livros de 2019.

Habilmente narrado e escrito, Uma Mulher na Escuridão é uma obra inteligente, versátil e instigante. Ao nos dar mais uma vez uma situação violenta e obscura para remoer, Donlea também nos dá momentos de muita emoção, como quando percebemos que Angela é uma pessoa extremamente só, por exemplo, ou pela delicadeza com que Rory busca auxílio com sua tia numa casa de repouso enquanto a mente de Greta se perde no limbo do esquecimento.

Uma Mulher na Escuridão apesar de toda densidade e peso que possui, é uma obra bonita e de uma certa delicadeza singela mesmo em meio a toda força que suas protagonistas apresentam, mas não falo aqui de delicadeza como franqueza, me refiro aqui ao sentido da fragilidade que há em nós, fragilidade tanto física quanto mental… o que é preciso para nos quebrar? O que é preciso para destroçar nossos corpos e mentes? O que é preciso para abalar os alicerces de um ser humano?

Mais maduro narrativamente que em seus outros livros, Uma Mulher na Escuridão é a prova de que Donlea não se contentou com nenhum de seus ótimos resultados anteriores e persistiu no caminho do aperfeiçoamento.

Mesmo quando recorre aos seus pontos de apoio padrão, é perceptível que o autor se empenhou aqui para quebrar os horizontes de expectativa de seus leitores e acabou desconstruindo algumas certezas de quem o acompanhou desde sua estreia com A Garota do Lago (que é o meu caso).

Uma coisa me chamou bastante atenção na relação de Angela e Rory em Uma Mulher na Escuridão, o “encontro” das duas mulheres marcadas pela existência do Ladrão em suas vidas me fez lembrar bastante da relações de Becca Eckersley e Kelsey Castle em A Garota do Lago.

Mesmo não havendo, a primeira vista, a perspectiva do encontro real entre as duas protagonistas, é muito interessante ver mais uma vez Donela construir tantas situações para nos mostrar como a personagem ausente (ou a que está no passado), tem o poder de transformar a personagem presente (ou que está no tempo atual) e de lhe impulsionar adiante, de lhe confidenciar mesmo na ausência os rumos a se tomar para alcançar verdades ocultas na escuridão.

No fim das contas, aqui em Uma Mulher na Escuridão também pude ver um Charlie Donlea um pouco mais poético e um pouco mais subjetivo, dando espaço para elementos mais simbólicos e soluções mais implícitas, dizendo a nós, leitores, o que quer dizer sem precisar utilizar diretamente as palavras. O que é dito pelo silência, às vezes é mais forte que um grito…

As entrelinhas contidas em muitas situações de Uma Mulher na Escuridão mais uma vez são prova de que Donlea não é um autor acomodado com seu próprio método e o sucesso que ele lhe trouxe.

Uma Mulher na Escuridão é uma leitura praticamente para um fôlego só, não é de um só porque ali no meio daquelas páginas você vai ler coisas que farão você fechar o livro, olhar para o tempo e ficar refletindo… aí depois de alguns minutos mergulhado na sua própria escuridão interior você vai emergir e continuar o processo de leitura.

A edição da Faro Editorial mais uma vez enche os olhos: papel do miolo em ótima gramatura (o que dá volume ao livro e resistência no manuseio), a capa vem como sempre em lindo verniz e alto-relevo no titulo da obra, o projeto editorial segue o mesmo estilo dos livros anteriores do autor, o que dá aspecto de coleção ao material de Donlea dentro da editora, e claro, deixa tudo lindo na estante.

Faro Editorial

Se você já leu outras obras do autor e gostou, então Uma Mulher na Escuridão não vai te decepcionar com absoluta certeza; se você nunca leu nada de Donlea, eis aqui uma oportunidade e tanto para começar e, caso você seja fã do autor assim como eu, Uma Mulher na Escuridão é mais que indispensável, é fundamental…

Uma Mulher na Escuridão, ao lado dos outos livros de Donlea, vem engrossar a fila de ótimos livros de Noir Contemporâneo, onde podemos ver uma narrativa densa, cheia de pontos obscuros, crimes violentos, mentes perigosas e situações tensas e limítrofes, cheias de suspense e a constante dúvida do que realmente está ocorrendo.

Como disse bem lá em cima: é facilmente um dos melhores lançamentos desse ano de 2019 que ainda ruma para o fim de sua primeira metade. O ruim de ler tão rapidamente esse livro? É esperar pelo próximo lançamento do autor…

Uma Mulher na Escuridão | Sobre o Autor

Charlie Donlea vive em Chicago com sua esposa e dois filhos. Um de seus hobbies é pescar em lugares praticamente desertos do Canadá. Ávido leitor, é também apaixonado por música, filmes, seriados e esportes.

Uma mulher na Escuridão
Charlie Donlea, autor do livro “Uma Mulher na Escuridão”

Quando decidiu escrever histórias de suspense, ele se preparou para produzir algo como tudo o que gosta de encontrar nos seus filmes e livros prediletos: algo capaz de manter o leitor refletindo sobre ela por muito mais tempo mesmo depois de terminada a leitura.

Seus outros livros A Garota do Lago, Deixada para trás e Não confie em ninguém foram lançados no Brasil pela Faro Editorial e arrebataram milhares de fãs.

Uma mulher na escuridão | Ficha técnica

  • Título: Uma mulher na escuridão
  • Autor: Charlie Donlea
  • Gênero: Ficção
  • Seção: Suspense
  • Formato: 16 x 23 cm
  • Páginas: 304
  • Papel: Polén
  • ISBN: 978-85-9581-072-3
  • Preço: R$ 39,90

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Uma mulher na Escuridão

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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