O Livro É | Invente Alguma Coisa, de Chuck Palahniuk

Antes de começar a falar sobre o ótimo livro Invente Alguma Coisa, é preciso falar de seu criador, o polêmico, divertido, irônico e incisivo escritor americano Chuck Palahniuk.

Normalmente tenho a tendência de pensar obras por si mesmas e falar do que há no texto em si e pouco ou quase nada sobre os autores, mas no caso dos livros de Palahniuk quase nunca consigo me desvencilhar da perspectiva de pensar seus livros como sendo seus livros e trazendo em suas histórias o humor pesado, o sadismo irônico, a estética do bizarro e ao mesmo tempo a delicadeza violenta com que o autor trata seus temas, sobretudo a sociedade contemporânea.

capa do livro Clube da LutaDesde as primeiras páginas do primeiro conto do livro Invente Alguma Coisa fiou marcado em mim a percepção de que eu estava lendo “um livro de Chuck Palahniuk” e durante o processo fiquei caçando a cada página, personagem ou situação os reflexos do que o autor já me entregou antes. E estava tudo lá…

Quando estreou com Clube da Luta em 1996, Palahniuk obteve efeito quase que imediato no establishment literário da época, sacudindo as percepções da Literatura Contemporânea dos EUA.

Repleto de sutilezas narrativas, momentos de completa insanidade, frases de efeito, humor negro e um cinismo como há muito não se via numa obra, Clube da Luta lançou o autor definitivamente para os holofotes e cada livro seu foi celebrado e aguardado. E todos honraram as expectativas em diversas medidas.

Claro, como qualquer autor prolífico, Palahniuk alternou momentos de grande genialidade ao melhor estilo de Clube da Luta com outros de menor porte ou de menor impacto, mas mesmo assim sua bibliografia beira o impecável.

Dono de uma prosa que consegue alternar momentos de grandes reflexões humanas e existenciais com situações extremamente bizarras, nonsenses, absurdas, cômicas e dramáticas em seus livros.

Palahniuk também é exímio narrador, ou se você preferir, contador de histórias, com tramas complexas, personagens dúbios e objetivos obscuros que só são realmente desnudados no limiar da de tudo que ele nos apresenta.

Se fosse necessário dizer ou apontar um tema da preferência do autor em suas obras eu diria que esse tema é o Humano em toda sua gama de variantes possível e em todas as suas grandes e pequenos idiossincrasias.

Palahniuk apontou sua pena para tudo aquilo que nos aflige cotidianamente e está oculto sob as camadas de nossa pele ou sob as grossas cascas de nossas feridas; e ele foi lá e cutucou a pela e as cascas de ferida e expôs tudo de podre que havia nesses pequenos abismos de nós mesmos.

Mas dentre todos esses complexos espelhos de nossas almas, Palahniuk parece que tem um apreço enorme pelo superficial, pelo supérfluo, pelo vazio consumista do ser humano; a impressão que ele nos passa é de que o ser humano busca essas efemeridades, esses pequenos e fugazes prazeres para preencher os vazios daquelas feridas das quais falei acima.

Invente Alguma Coisa, de Chuck PalahniukA moda, o comércio, a arte, a indústria farmacêutica, a educação formal, o sexo, a família, o amor, o ego e a violência estão sempre ali revirados por Palahniuk com se um cachorro faminto estivesse revirando uma lata de lixo em busca de alguma migalha para saciar sua fome… E nós somos essa lata de lixo.

É incrível notar a facilidade com que Palahniuk desfila em muitos de seus textos uma longa lista de medicamentos para depressão e calmantes de uma maneira que faria muito médico por aí se roer de inveja; tudo para nos lembrar que qualquer coisa em nossas vidas pode ser medicalizado, tratado, extraído de nós mesmo que seja uma tristeza passageira.

Ao lado dos remédios, Palahniuk também tem a mórbida capacidade de nos apresentar doenças, síndromes, problemas biológicos e infecções de toda ordem, tudo capaz de dar repulsa em qualquer um de nós.

Talvez os mais sensíveis possam pensar que Palahniuk é um ser humano escroto e de índole questionável, um grande filho da puta imoral pervertido. Eu acho que não. Eu acho que Palahniuk é só um ótimo escritor capaz de expor em seus textos exatamente essas facetas de nós mesmos.

Quando um de seus personagens está sendo racista, homofóbico, machista, sexista ou qualquer coisa escrota desse gênero, na verdade uma parte de nós que é algo assim é que aflora quando nos deparamos com isso em um dos textos do autor.

O que Palahniuk faz mesmo em suas páginas é virar em nossa direção um espelho, distorcido sim, sem dúvidas, mas um espelho; daqueles tipo parque de diversões de desenho animado que alongam as formas dos personagens que param diante deles, ou que os comprimem, achatando-os, tornando-os fluídos, quadrados, redondos etc.

Diante desses espelhos narrativos é exatamente isso que ocorre conosco… você se sente mal porque de algum modo você já foi um escroto com alguém: contra um negro, contra um gay, uma mulher, um idoso, uma criança, porque você já pensou em pagar por sexo sujo enquanto alguém te espera em casa com o jantar à mesa…

Você se vê ali distorcido, mas não completamente você porque você apenas pensou isso em seu íntimo, pensou em fazer o mal para alguém, e dizer o quanto você detesta aquela pessoa do seu trabalho ou de seu convívio social, mas você não é assim, não pagou por sexo, apesar de ter pensado muito nisso e em como poderia executar sua ideia sem ter grandes problemas…

capa tridimensional do livro Invente Alguma CoisaVocê não foi racista ou homofóbico hoje, mas em algum momento, mesmo dentro de sua cabeça você pensou naquele “macaco desgraçado” ou “naquela bicha nojenta” ou em como aquela moça andando pela rua como aquela saia curta é um puta vagabunda pedindo pra ser violentada…

Mas calma, Palahniuk não é essa pessoa, nem você… Mas ele, eu e você sabemos bem do que ele está falando e o porquê de estar falando essas coisas questionáveis. E ele fala e faz isso em seus livros porque é a sua maneira de nos dar um recado, de falar da escrotice da sociedade, das nossas pequenas hipocrisias diárias ocultadas ou disfarçadas de “bom mocismo”.

Quando Palahniuk escreve algo escroto ele não o faz por ser um escroto, ele o faz porque é assim que ele escancara a nossa própria escrotidão e é assim que a Literatura funciona, tornando o real ainda pior do que ele é quando necessário. Você quer conforto e finais felizes? Esse não é o seu livro e nem esse é o seu autor favorito.

Não acho que Chuck Palahniuk seja uma pessoa ruim ou questionável, acho sim que é um autor que sabe como nos provocar, incomodar, perturbar ao ponto de sairmos de nossa zona de conforto e confrontar a nós mesmos e ao mesmo tempo nos sensibilizar através de sua crueza narrativa, uma vez que é constante em suas obras a presença do outro.

Mas para falar da realidade é preciso moldá-la, montar um constructo do mundo, fazer recortes e depois nos dar isso de presente. As situações que o autor nos expõe são tão incrivelmente estranhas e absurdas que — obviamente sabemos, são inventadas por ele, mas que vão além do mero exercício criativo de um ótimo escritor —, fica claro que essas situações bizarras e irônicas dos livros do autor são também fruto do que há de mais absurdo e nonsense no mundo: a própria realidade; o maior combustível para Palahniuk e suas ideias e textos está aí fora diariamente.

Invente Alguma Coisa | O livro que é Chuck Palahniuk

Diante do que foi dito sobre este grande autor e um pouco sobre sua maneira de escrever, sobra pouco a ser dito sobre Invente Alguma Coisa, objeto deste texto. A questão é simples: cada detalhe que tive intenção de apresentar sobre o autor é justamente algum detalhe sobre as 23 histórias que ele colecionou neste livro.

Exatamente por ter essa particularidade de ecoar não só o estilo, mas acima de tudo os temas de seu autor é que optei por falar de Invente Alguma Coisa começando justamente pelo autor.

Palahniuk é reflexo de sua obra assim como sua obra é um reflexo seu, algo similar  ao que ocorre com autores como Clarice Lispector, Franz Kafka, Jorge Luis Borges, Philip Roth entre outros, cujos textos ecoam perspectivas tão intimistas e características que não é fácil separar esses autores de suas obras e da maneira como elas são estruturadas: foram, conteúdo e autor são uma única entidade.

Cada uma deles trás uma, duas ou várias facetas do autor e de seus temas mais caros, sua perspectiva cínica e pessimista do mundo e sua veia crítica a respeito das pessoas e seus comportamentos permissivos está em graus variados ao longo de cada conto e cada personagem que, de tão genérico e banal poderia muito bem ser aquele seu amigo, vizinho, conhecido, familiar ou pior de tudo, poderia ser você mesmo.

banner de divulgação do livro Invente Alguma Coisa

Dosando humor sincero, humor negro, ironia, sarcasmo, críticas de toda ordem a tudo que há sobre a face da terra, Invente Alguma Coisa é um livro divertido, ágil de ler devido aos formato de antologia, ao mesmo tempo também é uma leitura de pausas em seus momentos pesados e de difícil digestão.

São 336 páginas, 23 contos, uma dezena de personagens e uma infinitude de pequenos momentos capazes de nos fazer perder nos abismos da alma humana. De pouco ou nada adianta querer vencer a obra numa corrida frenética, Invente Alguma Coisa requer um processo gradual que, no fim das contas, é o objetivo de Palahniuk: se você vai mergulhar aqui, mergulhe fundo e tire tempo para que seu fôlego não se esgote nos momentos de extrema escuridão de alma humana que é jogado contra nós.

Aqui não é uma piscina olímpica de 100 metros rasos, aqui o mergulho é de apneia…

logotipo editora leya

Invente Alguma Coisa | Sobre o autor

Chuck Palahniuk é escritor e jornalista, reside em Portland, Oregon, nos Estados Unidos. Autor do best-seller Clube da luta, Palahniuk escreveu outros 21 livros, que venderam mais de 5 milhões de cópias nos Estados Unidos.

O livro foi transformado em filme e dirigido por David FincherClube da luta vem sendo publicado pela editora LeYa desde 2012.

Lançamento Leya | Invente Alguma Coisa, de Chuck Palahniuk

Invente Alguma Coisa | Ficha técnica e Sinopse

Sarcásticas, bizarras e intensas, Invente alguma coisa apresenta 23 histórias que representam tudo o que os leitores amam e esperam de Chuck Palahniuk – e vão ressoar em suas mentes por muito, muito tempo.

Com seu estilo transgressor, Palahniuk revela nas narrativas deste novo livro uma sociedade corrompida e imersa em preconceitos, descortinando como ninguém as patologias do mundo moderno.

São narrativas que incomodam e divertem na mesma medida: você pode até sentir repulsa, raiva ou nojo em algumas cenas descritas, mas será inevitável prosseguir com a leitura até a última página.

  • Autor: Chuck Palahniuk
  • ISBN: 978-85-441-0762-1
  • Formato: 14 x 21 cm
  • Número de páginas: 336
  • Ano de lançamento: 2018
  • Gênero: Literatura; Ficção

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Invente Alguma Coisa, de Chuck Palahniuk

Sobre o Autor

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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