Resenha | O Estranho Oeste de Kane Blackmoon, de Duda Falcão

Kane Blackmoon é um homem dividido entre mundos, um homem que vive nas fronteiras entre oposições: filho de um guerreiro índio com uma filha de fazendeiros, Blackmoon está em constante conflito entre essas duas culturas, procura pertencer a ambas e harmonizar seu espírito dos dois lados, mas não consegue; em outro extremo, o mestiço de brancos e índios é um poderoso sensitivo capaz de perceber as nuances entre o mundo físico e o mundo espiritual, bem como capaz de transitar entre eles.

Dividido entre suas muitas percepções conflitantes, Kane Blackmoon é um daqueles belos personagens atormentados, melancólicos, solitário e que precisa constantemente partir em busca de seu lugar, pois lugar algum é realmente seu. Essa melancolia e as dualidades que pairam sobre o protagonista do ótimo O Estranho Oeste de Kane Blackmoon dão toda a tônica da narrativa do livro escrito por Duda Falcão.

O Estranho Oeste de Kane Blackmoon | Fronteiras

Como caçador de recompensas, Kane Blackmoon perambula pelas cidades do oeste americano procurando por criminosos foragidos da justiça numa época em que a lei e a ordem não tinham como ser levadas a cabo em todo o território americano.

Nesse sentido temos um livro cuja tônica é o melhor estilo “faroeste atire primeiro, pergunte depois e tente sair vivo”: muitos tiroteios, cavalgadas, chapéus empoeirados, perseguições a cavalo, gangues de pistoleiros cruéis e todo o kit básico do bom Western.

capa do livro O Estranho Oeste de Kane BlackmoonMas essa é a superfície primeira de O Estranho Oeste de Kane Blackmoon, o que o leitor vai encontrar mesmo aqui é uma grande aventura sobrenatural que tem como pano de fundo o oeste selvagem americano e seus conflitos.

Os conflitos de Kane Blackmoon vão muito além da boa pontaria e da efetividade de seus disparos; as situações mais difíceis que nosso protagonista precisa superar transitam pelo terreno obscuro dos espíritos ancestrais, dos demônios antigos que caminham por nosso mundo se alimentando de almas perdidas ou capturadas, pecados obscuras ou simplesmente da carne humana.

Apesar de ter latente em sua percepção a sensibilidade que o chama para o mundo sobrenatural oculto por trás das cortinas do que popularmente convencionamos chamar de realidade, Kane Blackmoon resistiu por anos às convocações que, sutil ou claramente, lhe assediaram, mas quando o velho xamã Sunset Bison cruzou seu caminho pela primeira vez, tudo na história do solitário Kane Blackmoon se transformou rapidamente.

Dono de grandes conhecimentos e de uma larga história de vida, é Sunset Bison quem quebra as primeiras barreiras de Blackmoon para perceber o mundo de forma mais ampla.

As vivências de Sunset Bison como xamã sioux apresentam para o mestiço caçador de recompensas as primeiras ferramentas e rituais necessárias à compreensão dos mistérios que rodam a tragédia que Kane Blackmoon testemunhou num dos pequenos vilarejos por onde passou em busca de criminosos procurados.

A violência deixada para trás não era fruto de mãos humanos, não era produto de mero roubo ou violência pura e simples, ali havia uma força maior e muito mais maligna que qualquer ser humano, a sede liberada ali era de morte, dor, sofrimento e destruição.

Kane precisava caçar algo muito além de sua compreensão e só o conhecimento ancestral de Sunset Bison seria capaz lançar alguma luz aos mistérios por trás dessa matança.

E assim se inicia o batismo espiritual de Kane Blackmoon, assim começam as aventuras por um oeste que tem muito mais do que poeira, cactos espinhentos, vilarejos esparsos, caçadores de recompensas, foragidos da lei, xerifes e índios em guerra com os colonos.

Finalmente, sobre os auspícios dos ensinamentos do velho xamã, Kane Blackmoon finalmente se irmanou com seu animal totem, um belo corvo, negro como a noite, que pairava sempre pelas proximidades de Kane e do qual, muitas vezes, o próprio mestiço poderia assumir a forma quando necessário.

Desse modo que Duda Falcão nos enreda para dentro de um oeste sombrio e aterrorizante com criaturas de tons lovecraftianos ao mesmo tempo que flertam com as percepções espirituais dos índios americanos em uma época em que eles já tinham seus números bem reduzidos devido aos conflitos da expansão para o oeste.

iluastração de capa do livro O Estranho Oeste de Kane BlackmoonNa trajetória de Kane Blackmoon outros aliados lhe ensinam os caminhos, nuances e as técnicas para ampliar seus poderes e sua percepção como feiticeiro, pois muitos são os perigos em seu caminho e, quando esses perigos não veem até Kane, ele vai atrás deles.

Em seu caminho há amigos e inimigos, humanos ou não, como no caso do condenado à forca Franklin cuja inocência ou culpa são a chave para um misterioso ritual, as gêmeas sensitivas da tribo dos navajo Natah e Shila que tem seus dons entrelaçados na audição da cega e na visão da surda, Klah, o poderoso e sábio xamã dos navajo, o jovem aprendiz de feitiçaria Altsoba — cujo totem era um coite — e que cobiçou os poderes de Kane para si, um  antigo demônio de formas tentaculares e cor negra que transcende a presença humana na terra…

Peregrinando de canto em canto, algumas vezes Kane conseguiu se sentir em um lar, entre amigos e a ponto de construir uma família e cultivar terra para si, mas seu destino é marcado pelas constantes perdas e conflitos cuja única solução reside nos confrontos mortais.

Mas não sem antes Duda Falcão nos dar conflitos de ordem moral e reflexiva, pois muitas das vezes Blackmoon questiona a si mesmo, seus métodos e suas escolhas, mesmo que para fazer o bem seja necessário recorrer a um mal muito pior que qualquer erro humano.

Kane Blackmoon é interessante justamente por conta desses muitos embates que o cercam, tornando-o um personagem falho, em constante busca por uma paz interior quase sempre perturbada pelos mistérios da entranhas do oeste americano.

Multifacetado, o protagonista de O Estranho Oeste de Kane Blackmoon lembra muito personagens como, por exemplo, o mago inglês John Constantine, cujas habilidades e conhecimentos são capazes de salvar muitas vidas, mas que nem sempre age por bondade ou altruísmo, mas sim por um dever ou obrigação maior de impedir que um mal terrível assole o mundo dos homens comuns.

Dividido em vários capítulos curtos que tem uma estrutura levemente parecida com pequenos contos aparentemente isolados, O Estranho Oeste de Kane Blackmoon está estruturado para ser uma leitura ágil e imersiva, cujas pequenas partes vão costurando uma grande colcha coesa, cheia de detalhes, nuances e características únicas.

Duda Falcão tem grande habilidade nos textos curtos e isso é claro em seus livros de contos como Treze e Comboio de Espectros — ambos pela AVEC Editora — e na narrativa mais longa o autor também não faz feio e nos entrega um livro que tem muitas características de seus contos, mas que se desenvolve num ritmo mais cadenciado para construir a contento seu protagonista e seu universo, nos dando uma boa aplicação de vários dos princípios da “jornada do herói“.

capa do livro O Estranho Oeste de Kane Blackmoon

Fechado em si mesmo O Estranho Oeste de Kane Blackmoon também abre portas para um mundo maior e mais misterioso que, ao menos durante minha leitura, me fez lembra da ótima série televisiva Penny Dreadful que em suas três temporadas apresentou vários elementos ligados ao oeste americano e suas lendas, muitas das quais temos aqui nesse livro.

Outra obra também me ocorreu à mente quase de imediato durante a leitura de O Estranho Oeste de Kane Blackmoon: A Torre Negra de Stephen King; apesar de ser uma saga muito extensa e mais complexa em sua execução, muitos dos elementos desta magnífica obra do mestre King me vieram ao pensamento em várias partes da leitura da aventura de Kane Blackmoon, sobretudo as personalidades frias e melancólicas de Blackmoon e Roland Deschain, ambos também exímios pistoleiros em buscas obstinadas e capazes de superar qualquer limite para atingir seus objetivos.

Para os fãs de suspense, sobrenatural, terror e faroeste, O Estranho Oeste de Kane Blackmoon é uma boa pedida de leitura com um ótimo protagonista, conceitos criativos, releitura de boas ideias já consagradas aliadas a ideias novas e boas doses de ação e conflitos de ordem subjetiva. Vale cada bala de prata, sobretudo para os fãs de faroeste que vão encontrar aqui tudo que gostam e além.

O Estranho Oeste de Kane Blackmoon | Sinopse e Ficha Técnica

Um caçador de recompensas viaja pelo oeste americano em busca de aventuras. Em suas andanças, descobre que o deserto, as cidades dos desbravadores e as tribos indígenas estão repletos de mistérios, de acontecimentos estranhos e de entidades sobrenaturais.

Na sua jornada, faz novas amizades e adquire conhecimentos místicos para lutar contra criaturas do mal.

    • ISBN: 978-85-5447-037-1
    • FORMATO: 14×21 cm/ 184 páginas
    • Papel: Pólen Bold 90g
    • CATEGORIA: Ficção/ Velho oeste/ Sobrenatural
    • PÚBLICO / IDADE: Adulto
    • Autor: Duda Falcão
    • Editor: Artur Vecchi
    • Diagramação: Vitor Coelho
    • Ilustrações: Ed Andersson

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SOBRE A EDITORA

A AVEC é uma editora de Porto Alegre criada em 2014 para trazer o melhor da literatura fantástica e da ficção científica para seus leitores, investindo em sua grande maioria em escritores nacionais. Não queremos apenas editar livros, desejamos estar próximo dos leitores e dos autores.

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Resenha | O Estranho Oeste de Kane Blackmoon
  • 100%
    PREMISSA: - 100%
  • 90%
    DESENVOLVIMENTO: - 90%
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    CONTEXTUALIZAÇÃO: - 90%
  • 90%
    PERSONAGENS: - 90%
  • 96%
    PROCESSO NARRATIVO/ NARRATIVIDADE: - 96%
  • 95%
    CONCLUSÃO/ DESFECHO: - 95%
93.5%

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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