Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo, famoso escritor, poeta, ensaísta e professor argentino é dono de vasta obra literária apreciada e conhecida em todo mundo; sua prosa de construção invejável é rica em narrativas que falam tanto do mais simples costume de sua pátria mãe quanto dos insondáveis mistérios do universo, neste O Informe de Brodie vamos de encontro a um pequeno livro de contos — mas grande em significado — no qual o tema caro ao autor são os confrontos.
O Informe de Brodie nos leva, ao lado do contador de história popularmente conhecido por Jorge Luis Borges, coincidentemente um dos maiores nomes de literatura mundial, por narrativas curtas que giram em torno de 4 a 8 páginas e relatam histórias ocorridas em pequenas cidades ou vilarejos da Argentina, alguns em outros lugares ao redor do mundo, como no caso de O Informe de Brodie, conto que dá nome ao livro, por exemplo.
Aqui Borges lança mão, mais um vez, de sua prodigiosa habilidade de criar histórias que tangenciam a zona nublada entre o relato de terceiros, a pesquisa histórica empreendida pelo próprio autor e a conversa trivial com alguma testemunha de fatos ocorridos em algum lugar ou em alguma época.
Para os que já conhecem a obra borgeniana, esse recurso é velho amigo de vários livros do autor, onde a ficção e a realidade se mesclam e não nos é possível distinguir onde Borges começa a criar e onde sua criação encontra o mundo real na forma dos relatos que o escritor ouve de terceiros em conversas despretensiosas numa mesa de bar ou de boca em boca nas histórias típicas das cidades pequenas.
O Informe de Brodie tem como base de suas curtas histórias o conflito entre duas partes, em muitos dos contos o conflito é de ordem física mesmo, onde dois personagens precisam acertar contas entre si ou do passado, em outros o conflito é de ordem espiritual, transcendendo o poder da matéria da qual somos feitos e tornando os homens apenas o veículo para a vontade maior de almas há muito esquecidas; há também o conflito intelectual onde a arte se faz elemento central entre duas mulheres que se admiram e ao mesmo tempo se desafiam ao longo de anos, há também o conflito cultural e de estranhamento onde o dito homem civilizado relata em sua correspondência o breve convívio com a estranha tribo dos Yahoo e sua cultura do fétido, do podre e do obscuro.
Em todos os relatos do livro o leitor vai se sentir permeado pela típica atmosfera do estilo borgeniano que mesmo no relato mais real e concreto, nos envolve pela atmosfera onírica de que algo sobrenatural, metafísico e acima de nós está ali como um tipo de neblina onipresente.
A realidade física está envolta por uma bolha de pequenos mistérios, predestinações e desígnios, tudo é impregnado por um tom a mais que é o chamado realismo mágico (também é comum o termo realismo fantástico), no qual as fronteiras entre a ciência e a magia inerente ao próprio mundo se diluíssem de forma tão espontânea que nós nem percebemos que há, por algum tipo de convenção absurda, uma separação entre a realidade percebida por nossos sentidos e a realidade mágica do mundo por si mesmo.
E se o leitor nem não acreditar que haja essa atmosfera que permeia o mundo de forma tão natural, tudo bem, Borges fará com que ao final de cada pequena história a certeza na existência dela será uma convicção em todos nós.
A incursão mágica do relato oral, da carta encontrada em antigas pesquisas, as memórias de uma velha senhora enlutada, uma coleção de antigas facas e espadas usadas nas guerras argentinas, as andanças dos gaúchos por paisagens exóticas, cartas de uma figura histórica a serem devolvidas para solo argentino, a tribo obscura que não conhece o registro do tempo e adora um rei de pés e mãos amputadas que vive numa caverna todo coberto por esterco…
Cada pequeno detalhe de cada pequena história guarda em si mesmo outra característica cara aos escritos de Borges: precisão impecável na construção do que se relata, corroborado por datas, dados históricos, cidades reais, documentos que podem ou não ter sido lidos e pesquisados pelo escritor, pessoas que podem ou não existir e com quem Borges travou conversa…
Seu domínio da narrativa é pleno e de precisão nanométrica. Não há excessos, não há faltas, não há pedaços muito grandes ou muito pequenos, tudo se alinha e se alinhava na escrita elegante que sabe ser ao mesmo tempo tão econômica em quantidade quanto é profusa em qualidade.
Se existiram ou não tais fatos, pessoas, artefatos ou documentos não faz diferença nenhuma, a questão é a precisão com que tais fatos (reais ou fictícios) nos são passados através do texto lapidado com esmero do mais competente dos ourives, cada frase, parágrafo e situação nos são transmitidos com precisão cirúrgica, até mesmo os que são de ordem metafísica, daí advém o fato que mencionei acima: você pode até não acreditar neles, mas vai mergulhar em cada um como quem mergulha na água de um rio num começa de tarde quente de verão.
Para os iniciados no mundo mágico da literatura de Borges, O Informe de Brodie é item obrigatório na coleção, não por acaso o livro integra a Biblioteca Borges lançada aqui no país pela Companhia das Letras. Para os iniciantes faço a ressalva que talvez fosse melhor começar por outro livro do autor, com contos maiores e mais substanciosos para que se tenha um panorama maior do que é feito aqui de forma mais econômica.
Não que seja uma ressalva realmente significativa, mas acredito que começar, talvez, por obras com mais volume de páginas e com histórias mais longas seja uma boa dica para o mergulho no estilo e na proposta dos textos de Borges. Nada que comprometa a empreitada de ler este O Informe de Brodie cujas histórias tem começo, meio e fim de forma cirúrgica, claro. É mais uma questão de se aclimatar a um universo novo.
Como qualquer obra de contos, há aqueles que saltam em nós e se agarram em nossas preferências, obviamente. O Informe de Brodie, em minha opinião, passou pouco por isso no que se refere a meu gosto pessoal, achei a quase totalidade das histórias ótimas e com um padrão bem uniforme entre os contos, alguns até bem parecidos entre si em vários aspectos, fato que advém da temática dos conflitos e claro, da maior parte se passar nas paisagens da Argentina de Borges. Entre meus preferidos dou destaque especial para “O Evangelho Segundo São Marcos” e o conto que dá nome ao livro “O Informe de Brodie”, um primor de história.
O Informe de Brodie foi originalmente lançado em 1970 e é, por assim dizer, um ápice no polimento do estilo de Borges devido ao seu grande poder de síntese aliado ao de poder sugestivo e narrativo. Aqui o livro foi lançado em 2008 como integrante da coleção Biblioteca Borges da editora Companhia das Letras e está disponível para compra tanto na editora como nas principais livrarias.
O Informe de Brodie | Sinopse e Ficha Técnica
Este livro de contos, publicado pela primeira vez em 1970, começa por um delicioso prólogo em que um narrador experiente justifica, com alguma ironia, seu modo de contar histórias diretas, realistas e aparentemente simples, pela imitação da arte do jovem Kipling.
Na verdade, desde “A intrusa”, obra-prima de concisão e complexidade, até o conto final que dá nome ao conjunto, passando pelo admirável “O Evangelho segundo São Marcos”, o que mais chama a atenção é o domínio da narrativa, cuja forma breve e despojada depende de lacônicos detalhes de composição de grande poder sugestivo.
O duelo de facas ou de mentes pode não ser apenas o motivo central de muitas das histórias, mas o móvel da tensão interna que nos mantém presos à trama e nos desperta para um emaranhado de mais longo alcance. É assim que uma fresta fantástica visita às vezes alguns dos relatos, demonstrando que, mesmo nos resumos drásticos de fatos triviais, a imaginação é capaz de ampliar os limites do conhecimento e criar o desconcerto, para o prazer do leitor.
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- Título: O Informe de Brodie
- Tradução: Davi Arrigucci Jr.
- Páginas: 96
- Formato: 14 X 21 cm
- Acabamento: Brochura
- Lançamento: 26/08/2008
- ISBN: 9788535912951
- Selo: Companhia das Letras
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.