Willa, a garota da Floresta, do escritor Robert Beatty, é um livro do selo infantojuvenil MilkShakespeare, da Faro Editorial, mas que vai muito além do que os rótulos de seu selo e sua classificação.
A obra é uma fantasia que aborda temas atuais como meio ambiente, sustentabilidade, preservação ambiental, família, pertencimento, amizade, tradição e rompimento.
Temas que, nas mãos de bons adultos, podem direcionar nossos jovens para uma jornada melhor em defesa da manutenção da natureza, das formas de vida que habitam nosso mundo e, ao mesmo tempo, que tratam de questões dentro de nossos próprios lares.
Diferentemente de outros livros do selo MilkShakespeare, Willa, a garota da Floresta, é sem sombra de dúvida alguma o melhor e mais bem elaborado do selo.
Eu particularmente gostei demais da divertida série 4 vs Apocalipse, onde 4 amigos se desdobram para sobreviver a um mundo dominado por monstros e zumbis de todo tipo (resenhas do Livro 1, Livro 2 e Livro 3 de 4 vs Apocalipse).
Enquanto 4 vs Apocalipse é uma série que apela para o absurdamente divertido e frenético com sua atmosfera de jogo de videogame, Willa, a garota da Floresta é um livro muito mais lento e com uma fantasia-ficção indo em uma direção totalmente oposta.
Willa, a garota da Floresta é permeado por uma áurea densa, melancólica e nostálgica. Desde sua ambientação até cada um de seus personagens, tudo no livro tem um peso, um significado e um objetivo claro: mostrar ao leitor que é preciso, urgentemente mudar certas coisas ao mesmo tempo que é urgente manter outras tantas de pé.
O Conflito entre mudança necessária e manutenção do que é belo, bom e verdadeira.
Robert Beatty é um escritor muito, muito esperto e é perceptível o que ele quis fazer com este seu livro: Beatty disfarçou um drama familiar com as cores da fantasia de conto de fadas, dando ao seu leitor uma protagonista muito jovem, órfã de pai e mãe, pertencente a um clã de seres da floresta que estão rumando para decadência enquanto o avanço dos humanos parece cada vez mais inexorável.
Se o leitor adulto chegou até Willa, a garota da Floresta — o livro —, procurando um aventura para dar de presente a um jovem leitor, chegou ao livro certo. Mas se chegou aqui procurando um livro leve e despretensioso para passar o tempo, deixa eu te dizer, você não chegou ao livro certo.
Calma… isso é um elogio.
Por trás de toda a máscara de fantasia de “fadinha lutando em defesa da floresta”, das cores bonitas, das lições de moral dos desenhos da Disney, Willa, a garota da Floresta — a personagem — é uma criança solitária, triste e melancólica em busca de seu lugar em meio a um mundo que está mudando para dar lugar a outro completamente novo e que, ao que tudo indica, não tem lugar para Willa nele.
Vivendo apenas por conta de suas habilidades de se entrelaçar ao meio ambiente como faziam seus ancestrais e pelos ensinamentos de sua vozinha, a garota-fada carrega fardos pesados como a perda se sua irmã gêmea, Alliw, de seus pais e da constante pressão de sair todas as noites para furtar coisas e comida dos humanos para dividir com o restante de seu clã.
Outrora lindos, fortes e detentores de dons maravilhosos, os Faeran foram se degradando, sua relação com a floresta cada vez menos eficaz e a constante presença do “povo do dia” só tornou tudo pior.
Seu líder, o Padaran, controla o clã com mãos de ferro e seu fascínio pelos humanos empurrou para as sombras os costumes antigos e tradições: a língua antiga, a magia da floresta, a paz com as criaturas que dividem o mesmo espaço… tudo está se perdendo ano após ano à media que, dentro do clã, cada fez menos nascimentos estão ocorrendo.
Integrante do grupo dos Jaetters (os coletores), Willa precisa se aventurar noite a dentro em busca de objetos e comida para seu clã. Evitar o encontro com humanos e com seus outros companheiros de coleta é uma questão de sobrevivência tão necessária quanto achar o que coletar…
A rivalidade entre os Jaetters é grande, sobretudo contra Willa, uma vez que suas características a tornam diferentes dos demais Faeran… Seus dons a tornam única, diferente e por isso mesmo a tornam vítima constante seu Bullying por parte daqueles que deveriam ser seus amigos na vida pessoal e parceiros de coletas noturnas.
Mas tudo mundo em uma única noite.
Esse única ato de uma garota solitária em busca de aceitação e de um lar verdadeiro colocam em movimento engrenagens e mecanismos que ela mesma sequer era capaz de supor existirem. E nesse ponto começam a brotar pela bela floresta que é esse livro alguns dos melhores questionamentos que uma obra infantojuvenil pode suscitar nos tempos que se seguem.
Diante do solitário Nathaniel é que Willa começa a entender que nem tudo que é desconhecido é ruim e nem tudo que é amplamente familiar é totalmente bom. As nuances de mundo que se erguem sobre Willa tem mais tons de cinza do que sua pela de fada da floresta é capaz de traduzir para tons de verde.
As comparações entre o que Willa sabia e o que ela passa a saber, as formas como o mundo começa a se remodelar e a moldar sua percepção dos humanos, de seu clã e da própria floresta dão a tônica de sua jornada. E meus amigos, que jornada está reservada para nossa pequenina protagonista.
Beatty é um escritor de mãos cheias e pegou pesado aqui: as perdas são constantes, as transformações imparáveis, o fluxo do rio irreversível e as verdades ocultas tanto do lado de dentro quanto do lado de fora da floresta que Willa conhece não vão parar até que tudo tenha sido realmente transformado.
A carga dramática deste livro me fez pensar nele como algo realmente diferente do que há hoje disponível para jovens leitores que, na maioria das vezes, pensam muito mais na aventura do que na tônica de sua narrativa.
Mas hoje é urgente que nossos pequeninos, assim como Willa, sintam que é sim essa urgência no mundo que os rodeia, que muitas vezes é preciso tomar as rédeas do que julgamos equivocado e pôr em movimento as engrenagens de máquinas que, uma vez em movimento, não podem mais parar.
Enquanto se ergue entre os escombros do mundo que conhecia, Willa conhece a dor da perda, o sentido de abandono, a determinação de fazer o que é certo e necessário. Mas também conhece amor, amizade, entende que mesmo o mais diferente de cada um de nós tem seu lugar, seu lar. Mesmo que esse lar precise ser erguido com os escombros do que havia antes.
Memória, tradição, cultura e manutenção do passado histórico são sim necessários, mas ao mesmo tempo precisamos evoluir, acompanhar o mundo que gira, o rio que flui sempre adiante até encontrar o mar e esta é uma das belas lições da obra. Algumas amarras devem ser desfeitas…
A aventura da menina-fada é uma ótima opção para qualquer idade, sua jornada é rica em lições, em direções, tem grandes momentos de muita emoção e acredito que uma boa leitura conjunta entre um jovem leitor acompanhado de um adulto para discutir os temas riquíssimos propostos pelo livro tornarão a experiência ainda mais gratificante.
Aqui e ali acho que eu optaria por retirar uma ou outra “barriga” da narrativa. Em algumas situações acho que Beatty foi um tanto repetitivo e em outras excessivamente didático, acredito que numa tentativa de deixar bem claro para os jovens leitores quais seus objetivos com este livro.
Particularmente acho desnecessário… nossas crianças de hoje estão bem focadas em múltiplas narrativas, muitos protagonistas diferentes vivendo dramas de superação já permeiam seu imaginário, então acho que poderíamos ter alguns pontos narrados mais habilmente para manter o interesse em alta.
Porém nada muito drástico, pois Beatty sabe muito bem como manter cada fim de capítulo ligando com o começo seguinte de modos bem dinâmicos e, no saldo geral, a aventura vai nos entremeando e nos entrelaçando com Willa e sua jornada da mesma forma com que a pequena menina-fada faz o mesmo com a floresta tanto ama.
Pontos extras para a lindíssima capa ilustrada com a imagem de Willa em cores vibrantes enquanto se entrelaça com a floresta ao fundo, título em alto relevo e verniz localizado, dois padrões que a Faro Editorial sempre mantém em seus livros.
Willa, a Garota da Floresta | Sinopse
Neste livro, vamos conhecer os Faeran, um povo ancestral, que mora no coração da floresta, que tem o dom de conversar com as arvores e os animais, mas que estão perdendo essa essência e assumindo apenas o papel de ladrões noturnos.
O Padaran, chefe do clã, diz que os humanos são cruéis, perigosos, e que sem os furtos das coisas dos humanos, eles não podem sobreviver. Willa sabe disso, afinal os humanos mataram seus pais e sua irmã.
Mas numa dessas incursões noturnas nas casas dos humanos, ela acaba se ferindo e ficando presa durante o dia em nosso mundo e precisará invocar forças ancestrais para retornar ao lar. É quando uma verdade sobre o que seus líderes fazem e se apresenta como a verdadeira ameaça à sobrevivência de seu povo.
Um livro mágico que vai levantar uma questão necessária sobre a relação dos homens com a natureza, mas que traz reflexões menos maniqueístas sobre o que significa, de fato, preservação: nem todo uso dos bens naturais são ruins, o que precisamos entender é o uso sustentável. E mostra que a natureza é nossa maior aliada, e esse equilíbrio precisa ser mantido.
Willa, a garota da Floresta | Sobre o autor
ROBERT BEATTY é mundialmente conhecido por suas histórias incríveis para leitores de todas as idades. Suas obras recebem prêmios, e esta, além de ter os direitos vendidos para muitos países, será adaptada para o cinema numa grande produção da Disney. O autor vive nos Estados Unidos com a esposa e três filhas, suas primeiras leitoras de cada livro, e que também o inspiram a escrever suas histórias.
Willa, a garota da Floresta | Ficha Técnica
- Título: Willa, a garota da Floresta
- Edição: 1ª edição (7 junho 2021)
- Idioma: Português
- Acabamento: Capa comum, brochura
- Páginas: 304 páginas
- Dimensões: 23 x 3 x 16 cm
- Editora: Faro Editorial
- Selo: Milk Shakespeare
- Preço: R$54,90
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.