Procure nas Cinzas, mais recente romance policial do escritor americano Charlie Donlea — um dos nomes mais badalados do segmento thriller investigativo da atualidade — chegou ao Brasil quase que simultaneamente como os EUA.
A Faro Editorial, casa do autor por aqui, não perdeu um segundo de tempo em trazer mais um badalado livro do autor; inclusive enviou em primeira mão para vários de seus parceiros (o PZ entre eles), em primeira mão a versão “zero” do livro, sem nenhum acabamento gráfico e com parte da revisão ainda em curso. Olha a responsabilidade.
Vendido em um belo kit com direito a marcador e ecobag temáticos, Procure nas Cinzas é, a meu ver, o livro mais dinâmico do autor até agora no sentido de velocidade narrativa de um lado, enquanto de outro, é o que mais embaralhou na estruturação do roteiro, parecendo em muitos pontos que o autor havia se perdido em uma ou outra ideia.
Até agora, meus preferidos seguem disparados Deixada Para Trás, Não Confie em Ninguém e Uma Mulher na Escuridão; os 3 com o que o autor tem de melhor em termos de narrativa coesa e ritmo avançando na dose certa.
Procure nas Cinzas é ambicioso já de largada… Situa o leitor num dos momentos mais trágicos de nossa História atual: o atentado terrorista contra as Torres Gêmeas do 11 de setembro de 2001.
Uma ferida gigantesca aberta contra todo e qualquer senso de responsabilidade e respeito com a vida de inocentes. Com os 20 anos do atentado se dando neste ano de 2021, a ocasião para utilizar esse mote era perfeita e Donlea não a perdeu.
Procure nas Cinzas é um thriller bem versátil e bem inventivo, aqui Donlea mais uma vez utiliza-se de sua grande capacidade narrativa para construir tanto tempo, espaço quanto personagens diferentes se entrelaçando no fluxo narrativo o tempo todo.
Por um lado o recurso é interessantíssimo para dar ao livro todo aquele ar cinematográfico, por outro acaba enchendo o livro com muitos detalhes e subtramas paralelas nas quais nem todas tem uma execução realmente satisfatória.
Vitoria Ford é acusada de assassinato, mas desaparece na queda das Torres Gêmeas em 2001; Avery Manson é um talento despontando na televisão com seu American Events após a morte do famoso âncora Mack Carter um ano antes (no livro Nunca Saia Sozinho); Walt Jenkins é ex-agente do FBI aposentado precocemente após uma ação com seu parceiro que veio a óbito. Para cada um desses três pilares da narrativa, Donlea ergue um mundo cheio de situações, pessoas e pequenos mistérios.
Victoria Ford é uma mulher em apuros. Acusada de matar seu amante com requinte de crueldade, a aspirante a escritora atesta com veemência que é inocente e que armaram uma cena para incriminá-la. Na sala de um dos mais cobiçados advogados de Nova York, Victoria é surpreendida por um imenso estrondo seguido por um tremor… O ano era 2001, o dia era o fatídico 11 de setembro.
Em 2021 o DNA de Victria Ford é encontrado entre as amostras guardadas no IML local durante anos. Identificado através de um novo processo, a amostra de Victoria era um dente… O suficiente para chamar a atenção da jovem apresentadora Avery Manson que busca freneticamente melhorar seu contrato através de um planejamento de longo prazo onde pretende mostrar o destino de Victoria 20 anos depois de sua acusação de assassinato, ao mesmo tempo em que ligará a tragédia da moça com a do atentado do 11 de setembro.
Mas Avery tem seus próprios esqueletos no armário e sua ida até Nova York para entender o processo de extração de DNA das amostras do 11 de setembro tem muito mais coisas ocultas. Sem usar cartão de crédito, viagens de avião ou qualquer outro recurso que deixe rastros, Avery segue uma agenda particular inteiramente dedicada ao seu estranho passado.
Walt Jenkins atualmente mora na Jamaica… longe o suficiente de tudo e todos. Uma vez por ano ele volta aos EUA para participar de um evento para sobreviventes de tragédias. Nesse local ele encontra o grande amor de sua vida, eles passam um tempo juntos e depois ele some por mais um ano.
Walt Jenkins precisou se aposentar precocemente contra sua vontade. Mas sua habilidades e sua participação em um antigo caso de assassinato serão necessários novamente e não demora tanto até o chamado vir. Assim se arma uma teia que liga os caminhos de Avery e Walt de formas muito peculiares através do ressurgimento do nome de Victoria Ford dos mortos.
20 anos atrás Walt era o jovem detetive responsável pelo caso no qual Victoria Ford fora acusada de assassinato; agora Avery busca entender a verdade por trás da morte de Victoria e, se possível, provar que a moça era na verdade inocente de todas as acusações que lhe atribuíram e tudo não passou de uma grande farsa armada contra ela.
Perseguida no passado e no presente, Victoria Ford é uma das típicas figuras de “ausência presente” das obras de Donlea. Um recurso que está presente praticamente em todos os livros do autor quando o mesmo nos dá o vislumbre de um personagem em torno do qual as engrenagens da narrativa começam a se mover, mas cuja presença efetiva não está lá, porém mesmo na ausência esse personagem envolve a tudo e todos como uma imensa redoma.
Avery Manson é a protagonista quase padrão do escritor desde seu primeiro livro (A Garota do Lago), ela está ligada ao mundo das mídias de modos muito, muito similares aos de Kelsey Castle, Sidney Ryan e Ryder Hillier.
Já Walt Jenkins lembra muito Gus Morelli, o detetive que divide a narrativa de Não Confie em Ninguém e que, mais tarde tem papel importantíssimo em Nunca Saia Sozinho: é um homem maduro, já fora de atividade, mas com faro apurado, com contas a acertar com o passado e que não vai fugir ao chamado do dever quando este bater com toda força à porta.
Talvez sejam arquétipos de base para o autor, reafirmação de estilo, não sei ao certo, mas depois de 6 livros, acho que Donlea se repetiu demais nesses 3 pilares de sua mais recente obra. Mas não se preocupe, apesar de uma base muito, muito semelhante para os 3, o autor consegue elencar uma série de situações, elencos de apoio e motivações bem interessantes para cada um deles.
Com um roteiro bem, bem mirabolante mesmo, Donlea entregou um de seus livros mais dinâmicos e com maior número de ideias malucas, reviravoltas e mistérios por páginas dos últimos anos. Meu único senão em relação a todo o malabarismos do autor diz respeito ao excesso de soluções simplórias dadas para alguns pontos do livro. Parece que depois de inventar tantas coisas para compor sua narrativa, em alguma momento parece que o escritor optou por simplesmente recorrer ao recurso das “coincidências fortuitas” para fechar certas questões.
Quando não foram as coincidências fortuitas a dar o tom de algumas soluções, foi o jogo de “mostra-esconde” que deu a tônica dos acontecimentos… Recurso este que o autor já usou antes em outra obra sua e que, para os mais atentos, vão terminar este livro cheios de certezas sem nenhuma chance de erro.
Com toda a dinâmica entre Avery e Walt e destes para com suas próprias questões e mistérios pessoais, destes para com a história de Victoria Ford, este é sem sombra de dúvidas o livro mais dinâmico e divertido de se ler já escrito por Donlea, mas também é o mais previsível de todos em quase todas as charadas ocultas por trás das cortinas narrativas.
Dos mistérios propostos pelo autor, o leitor bem atento, sobretudo o que já conhece alguns dos aspectos da escrita de Donlea, vai pinçar facilmente as soluções dos pontos cegos da narrativa (os que são propositalmente assim, claro); pois há um sem-número de outros pontos cegos na narrativa que realmente me pareceram largados aqui e ali sem nenhuma intenção de esclarecimento ou resposta, outro vício que Donlea parece ignorar em si mesmo e que já está ficando um tanto forçado.
Este não é o primeiro de seus livros que se enchem de mistérios e situações em aberto que o autor simplesmente abandona ali sem nenhuma lógica narrativa ou de escrita, apenas os larga e pronto. Deixando para o leitor apenas meras conjecturas e especulações.
A despeito dessas questões que me incomodaram especificamente neste livro (sou fã da obra do autor desde A Garota do Lago e não pude deixar de notar certas coisas), Donlea expandiu sobremaneira sua forma de contar histórias.
Em Procure nas Cinzas podemos ver algumas de suas características marcantes como o multifoco narrativo, ao menos dois tempos cronológicos diferentes e claro, personagens cheios de camadas de significado, passado e personalidade.
O ponto alto da obra sem dúvida alguma fica por conta do elo entre a história intimista de 3 pessoas diferentes e a tragédia maior do 11 de setembro que marcou a História pós-contemporânea. Versátil como sempre, Donlea nos entrega um livro muito divertido e instigante, daqueles que tem toda a cara de virar uma daquelas séries que a gente maratona a temporada toda em um único dia.
Acredito que este livro tem potencial enorme para agradar os novos leitores do autor mais do que aqueles que já leram ao menos uns 3 livros do mesmo; com muitas de suas marcas narrativas aflorando aqui constantemente, o leitor veterano terá uma experiência, por assim dizer, mais previsível.
Já o estreante, esse sem sombra de dúvidas vai ser pego de surpresa a cada virada de página, uma vez que a escrita do autor está mais fluida do que nunca, fato este que, sem dúvidas, advém de sua vasta experiência nos livros anteriores, todos, em minha opinião, indispensáveis na estante do bom fã da tradição dos romances policiais e investigativos.
Procure nas cinzas | Sobre o Autor
Charlie Donlea ― o mestre do suspense ― vive em Chicago com sua esposa e dois filhos. Um de seus hobbies é pescar em lugares praticamente desertos do Canadá. Essas viagens por estradas paradisíacas servem de inspiração para seus livros. Ávido leitor, é também apaixonado por música, seriados e esportes.
Quando decidiu escrever histórias de suspense, ele se preparou para produzir algo como tudo o que gosta de encontrar nos seus filmes e livros prediletos: uma narrativa capaz de manter o leitor refletindo sobre ela por muito tempo, mesmo depois de terminada a leitura.
Seus livros são publicados em mais de vinte e cinco países. É autor dos best-sellers: A Garota do Lago, Deixada para trás, Não confie em ninguém, Uma mulher na escuridão e Nunca saia sozinho.
Procure nas Cinzas | Ficha Técnica
_Título: Procure nas cinzas
_Autor: Charlie Donlea
_Editora: Faro Editorial;
_Edição: 1ª (10 setembro 2021)
_Idioma: Português
_Páginas: 356 páginas
_Dimensões: 23 x 16 cm
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Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.