Machado, a Cidade e seus Pecados | A um Bruxo, com Amor

Machado de Assis foi, é e sempre será um dos grandes escritores da literatura mundial. Um conhecedor de sua gente, um bruxo capaz de radiografar nossos desejos ocultos.

Sua obra é impecável, repleta de personagens inesquecíveis mas não menos pecadores que cada um de nós. Machado, a Cidade e seus Pecados reúne alguns contos, novelas e fragmentos de romances do autor com um diálogo natural entre pecados e pecadores que atravessa o texto, por bem ou por mal: um gesto de vaidade aqui, uma procrastinação ali, e onde deveria haver virtudes, escorregadelas em vícios mundanos.

Cada pecado é observado e por vezes acolhido por uma cidade repleta de belezas naturais que manifestava em cada esquina sua herança errática. Eis aí uma boa oportunidade de ler e reler, descobrir e redescobrir, um autor que é nosso, fruto de nossa língua e nossa cultura. Mais uma chance para nos abrirmos à uma experiência machadiana profunda, reveladora e sem culpa.

Presente nesta edição, apresentamos o poema “A um Bruxo, com Amor”, de Carlos Drummond de Andrade, publicado originalmente no Correio da Manhã em 1958, no qual o mineiro revê sua posição em relação ao autor e o reconhece como um dos nossos maiores mestres.

Escritor negro, de ascendência africana e açoriana, ele nasceu e cresceu na chácara de uma família de portugueses, com modestas chances que a ampla maioria dos seus não chegou nem perto de ter.

“Tal contexto está presente, de forma mais ou menos codificada, em toda sua literatura. As sinas de seus personagens, tão bem escolhidas neste Machado e seus Pecados, iluminam as arestas mais obscuras da sociedade brasileira. Suas tramas são um pretexto para que o autor retrate a mesquinhez da aristocracia tropical vigente com tintas universais”, afirma o escritor J.P. Cuenca em um dos textos para esta edição.

Para o pesquisador e historiador Maurício Barros de Castro, autor de outro texto desta antologia, Machado “mostra como as transgressões acontecem disfarçadas de convenções sociais, impulsionadas pelo desejo ou pela violência, amparadas fragilmente em convicções morais. Talvez por isso a sua evocação dos nossos pecados capitais seja tão contemporânea”.

Outro aspecto importante é o diálogo do autor com o universo fantástico, geralmente negligenciado. Sua literatura foi um contraponto claro à hegemonia do realismo e, como ele mesmo disse no ensaio A Nova Geração: “A realidade é boa, o realismo é que não presta para nada”. Como recorda o jornalista Romeu Martins e seu texto para este livro, Machado foi “um escritor profundo, audacioso, irônico e, não raro, satírico e corrosivo”.

Foi, também, um cultor do fantástico. Às vezes, de um fantástico mitigado, que não ia além dos sonhos que temos não só adormecidos como ainda acordados; outras vezes, de um macabro ostensivo e despejado.

Entre os selecionados para esta antologia estão contos e novelas como “A Igreja do Diabo”, “A Carteira”, “Conversão de um Avaro”, “Terpsícore”, “Parasita Azul”, “O Cônego, ou Metafísica do Estilo” e “A Cartomante”, além de trechos dos romances Dom Casmurro e Esaú e Jacó. Além dos textos originais de Machado de Assis e das análises mencionadas, a edição conta com ilustrações inéditas de João Pinheiro (autor da biografia em quadrinhos de Carolina de Jesus, com Sirlene Barbosa) e fotografias do escritor e da cidade do Rio de Janeiro, cenário para grande parte de sua obra.

Uma grande edição, à altura do nosso maior escritor. Como afirma Drummond em seu poema, “Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro”. Machado continua a ser um autor essencial para entendermos a sociedade que construímos desde então. Repleta de erros e alguns acertos, permeada, porém, por pecados e pecadilhos.

Machado de Assis | Sobre o Autor

Machado de Assis nasceu na Ladeira do Livramento, no Centro do Rio de Janeiro em 1839. Negro, de ascendência africana e açoriana, cresceu na chácara de uma família de portugueses, com alguma oportunidade que a ampla maioria dos seus não chegou nem perto de ter.

Com 16 anos, passa a frequentar a livraria do jornalista e tipógrafo Francisco de Paula Brito, que publica alguns dos seus primeiro poemas e lhe dá seu primeiro emprego. Entre 1856 e 1858, começa como aprendiz de tipógrafo e revisor na Imprensa Nacional, onde contou com a ajuda e o incentivo de Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um Sargento de Milícias.

Trabalha como repórter no Diário do Rio de Janeiro entre 1860 e 1867, além de colaborar com a variada e abundante imprensa da época, sobretudo como crítico teatral. Em 1867, é nomeado diretor-assistente do Diário Oficial por D. Pedro II, o primeiro de diversos cargos públicos, seguido de ocupações no Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas.

Seu primeiro romance, Ressureição, é publicado em 1872, seguido por A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878), relacionados à escola romântica. Segundo a crítica consagrada, seu período realista tem início em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, e segue com seus quatro derradeiros romances, Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Além dos romances, o autor produziu em torno de duzentos contos, uma dezena de peças teatrais, coletâneas de poemas e sonetos e pelo menos seiscentas crônicas.

Sua obra, porém, não pode ser resumida como apenas romântica ou realista. Como vimos na antologia Medo Imortal (DarkSide® Books, 2019), ele também produziu histórias fantásticas e sobrenaturais, algumas delas entre os melhores escritos que saíram de sua pena.

De certeza, sabemos apenas que Machado de Assis é um dos poucos autores transversais e fundamentais para a formação da literatura brasileira no século XIX, um escritor incontornável para aqueles que desejam compreender a nossa imensa e crescente produção literária, considerado hoje um dos mestres universais, ao lado de Dante, Shakespeare e Camões.

Fonte: DarkSide Books

Sobre o Autor

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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