Lançado originalmente em outurbo de 1965, Duna, livro de Sci-fi escrito pelo americano Frank Herbert, entrou para o imaginário coletivo da cultura pop/nerd como um dos mais importantes e influentes livros do gênero ao lado de outros pilares que surgiram nos meados dos do século XX e que ecoam até hoje na Literatura de Sci-fi.
Na contagem regressiva para completar 50 anos de sua publicação original, a saga Duna fez e faz história até hoje desde o lançamento de Duna, o primeiro livro que, entre outras coisas, é vencedor dos aclamados prêmios Hugo e Nebula, duas das mais conceituadas premiações para o gênero de Sci-fi.
Percorrendo um espaço-tempo de 20 anos com seis livros, o primeiro de 1965 (já dito antes) e o último sendo lançado em 1985, Duna foi mais que um livro de Sci-fi, foi um ponto de referência para muitos leitores e futuros autores.
Economia, política, guerras por recursos, manobras políticas de guerra e deposição, famílias tradicionais em alternância no poder, traidores infiltrados por todos os lados, personagens morrendo justamente na hora que você já estava se apegando a eles, profecias messiânicas, sociedades secretas, legiões de guerreiros perigosíssimos utilizados para aterrorizar mundos inteiros, um planeta quase inóspito, um povo adaptado aos rigores desse mundo árido, uma substância preciosa e cobiçada por todo o universo e engrenagem principal de todos os acontecimentos e manobras políticas e jogos de poder existentes até então…
Misture uma pitada de atmosfera feudal/medieval, doses de conspirações com venenos e punhais escondidos nas mangas das roupas, hierarquias diversas tramando mudanças nos círculos de poder, feudos interplanetários, um planeta que é praticamente um deserto gigante, um duque no centro de todos os jogos de poder, sua consorte que pertence a uma ordem de sacerdotisas treinadas para transitar nas mais diversas esferas sociais e perpetuar profecias e conhecimentos de domínio raro, o filho de ambos que pode ser um Messias para o tal planeta desértico.
Ao final de tudo isso junte umas pitadas, literalmente, da especiaria mélange, que só é encontrada nas minerações do tal planeta desértico, o motivo de todas as conspirações e tramoias por parte de todas as castas que Frank Herbert criou no seu fabuloso romance sci-fi chamado Duna.
Ao longo de décadas, Duna tem sido uma obra quase sem equivalentes, salvo algumas obras como a Trilogia Fundação de Asimov, a saga de Rama de Arthur C. Clarke e a Trilogia do Anel de Tolkien. Em comum todas essas grandes maravilhas da Literatura tem como pano de fundo tramas complexas, mistérios grandiosos, profecias, mitos e lendas se misturando com mundos ricamente criados pelas mentes de escritores que não conheceram o limite de suas próprias mentes, criando estruturas sociais complexas, culturas inteiras e, por fim, com sua genialidade, criaram mundos que transcendem o teste do tempo no imaginário dos fãs de fantasia e ficção.
Frank Herbert não economizou criatividade ao elaborar a intrincada teia de Duna, se há uma obra que o termo trama pode ser aplicado sem medo algum, sem sobra de dúvidas essa obra é Duna.
Uma mistura de politicagem, comércio, hierarquias imperiais e jogos de interesses movendo todo um panorama social, político e cultural de uma realidade que se passa em uma sociedade espacial e ao mesmo tempo com ares de feudos da idade média, com duques, imperadores, guildas bancárias, transporte espacial mercantilista e mudanças na balança de poder.
Tais mudanças começam pela transferência do comando do planeta Arrakis para o Duque Leto, da casa dos Atreides, inimigos de longa data da Casa dos Harkonnen, ex-senhores de Arrakis, um planeta desértico que a despeito de toda sua aridez, é a única fonte de extração da “especiaria” chamada mélange (na tadução mais recente da Editora Aleph).
Esta especiaria é um dos o motivos dos muitos dos jogos de poderes pelos quais o Duque Leto, sua sua família e seguidores estarão submetidos, uma vez que o terreno conspiratório já estava preparado pelo rival Barão Vladimir Harkonnen.
Ao deixarem para trás Caladan, um planeta cuja força estava voltada para os mares e ar, a nova vida em Arrakis é escassa em água, em formas de vida e rica em perigos, tanto os de ordem humana quanto os de ordem natural, como as vastas áreas de deserto e os gigantescos vermes de areia.
Centro da mais atual desavença entre os Atreides e os Harkonnen, Arrakis passa da mão destes para os Atreides por ordem imperial, cabendo ao Duque Leto restabelecer uma nova ordem comercial no planeta e evitar um colapso no comércio da especiaria, aparentemente ameaçado pela gestão anterior.
Entrelaçado com a complexa trama econômica e dos jogos de poder, Paul Atreides, filho de Leto, é tido como um tipo de messias para os habitantes de Arrakis que creem em uma antiga profecia que anunciava mudanças para todo o planeta, inclusive Jéssica, sua mãe, pertence a ordem “religiosa” de sábias conhecidas como Bene Gesserit, detentoras de uma boa dose de influência na sociedade complexa desenvolvida por Herbert.
Soma-se a tudo isso um talento para guiar as situações da trama de forma clara, objetiva e bem direta, mas deixando ganchos e uma série de situações de tensão que vão engatilhando e disparando o leitor para perceber as nuances de cada personagem e do contexto em que eles estão envolvidos.
Reuniões de cúpula e seu conteúdo, por exemplo, são cheias de tensão e de observações que enriquecem as descrições do planeta Arrakis, ou as descrições das usinas de coletagem da especiaria conhecidas como “lagartas”, ou os imensos caleches, veículos aéreos usados para rebocar e transportador as “lagartas” em caso de ataques de vermes. Herbert narra com cuidado, descreve com objetividade sem perder o foco e a função desses elementos para sua história.
Não à toa uma das cenas mais tensas da obra se passa em uma inspeção do Duque Leto e sua equipe para ver pessoalmente uma das usinas-lagartas em atividade. Na ocasião se sucede um ataque de verme e a cena toda é descrita com uma precisão e um tensão crescente entre todos os envolvidos, tanto nas naves dos Atreides quanto na fuga dos operários da “lagarta” até o último segundo do ataque.
A própria ecologia do mundo de Duna é trabalhada com cuidado, denotando a ameaça constante dos vermes de areia e como os fremen, o povo nativo de Arrakis, sobrevive quase na total ausência de água, sobrevivendo com o mínimo possível e reutilizando a água do próprio corpo através dos chamados “trajestiladores”, roupas de proteção e preservação da água do próprio corpo.
Tal escassez de água gera uma série de costumes e atitudes culturais que só tornam Duna uma obra ainda mais detalhada e complexa: cuspir, por exemplo, é um gesto de grande respeito para com alguém quando vindo de um fremen, haja vista que qualquer desperdício de água do próprio corpo é algo muito caro para esse povo do deserto que olha com ressalva para os novos habitantes de seu mundo.
O desenvolvimento dos personagens e a desenvoltura de suas próprias características é outro ponto positivo da obra de Herbert. Dos personagens principais aos de segunda ordem, todos em algum momento revelam determinados graus de de complexidade e a profundidade de suas características.
Pode ser um gesto ou um pensamento, ora revelado pelo narrador, ora pelas observações advindas dos treinamentos das Bene Gesserit executadas por Jéssica ou por seu filho Paul, único homem iniciado nos atributos da ordem. Cada gesto é percebido na superfície e analisado por um dos dois de forma a revelar que cada um ali perto é muito mais do que diz ou demonstra ser.
Inclusive Herbert usa um jogo interessante de revelar, quase que de imediato, certos pontos cruciais de sua obra como traidores e possíveis mortes, mas deixando o leitor atento para qual vai ser o momento que essas verdades irão aflorar durante a nativa. Você já sabe que vai acontecer, mas não sabe onde e nem quando, exatamente por isso fica ali para ser uma das testemunhas de tais fatos.
O triângulo ducal é riquíssimo em expressão dentro da trama, claro, são o cerne dela, em um dos vértices temos o Duque Leto dividindo o palco com sua concubina Jéssica, uma vez que ambos não são oficialmente casados, gerando interesses das outras casas hierárquicas em realizar um casamento para ter uma aproximação maior com o poder ducal. Jéssica e o duque compartilham não só o amor um do outro, mas confiança extrema e o peso de estarem no centro de algo muito maior que ambos.
Na outra combinação temos a relação entre o duque e seu filho e futuro herdeiro Paul, que guarda segredos que lhe foram confiados pela madre suprema das Bene Gesserit, segredos esses que envolvem a vida do próprio pai, a quem o jovem possível Messias de Duna nada pode fazer. E, por fim, temos a relação de Paul com sua mãe e mentora nos mistérios da doutrina Bene Gesserit.
Uma relação de respeito mútuo, de encorajamento e ao mesmo tempo cheia de receio do típico amor materno e da proteção que vem junto com ele, pois além de mãe e filho, os dois são discípulo e mestra.
Obviamente os inúmeros personagens coadjuvantes da obra são peças-chave para detalhes da rica trama enredada por Herbert. Tem destaque o corpo militar e de “braços direitos” do Duque Leto: o médico e cientista Wellington Yueh, o guerreiro Duncan Idaho, o mestre de armas, comandante e trovador Gurney Halleck e o mentat Thufir Hawat, uma espécie de professor e mestre de segurança dos Atreides há gerações, todos elementos de confiança da Casa dos Atreides, todos presentes em momentos que vão da descrição de suas habilidades, de sua psicologia ou de seus aspectos físicos.
Diga-se, apesar de econômico nas palavras nesse aspecto, Herbert é preciso em nos dar, na forma de texto, os rostos e corpos desses seres e de muitos outros. Veja bem, não é que o autor seja econômico nas descrições, elas existem em boa quantidade, mas todas são bem objetivas dentro do contexto da obra.
Por ter essa grande característica de um universo espacial com costumes medievais, Duna não abusa das vastas tecnologias encontradas em outras obras de sua mesma época ou estilo.
Não há robôs nem computadores super-modernos executando tudo e poupando os humanos de suas tarefas, a tecnologia não é praticamente senciente e auto-suficiente como, por exemplo, nas obras de Asimov.
A própria questão dos armamentos passa pelas limitações tecnológicas, pois cada soldado ou elemento de alta hierarquia utiliza um escudo de energia que anula os feitos das armas de disparo a longa distância, cabendo assim o uso das lâminas para executar o trabalho sujo em combates corpo a corpo ou de forma traiçoeira.
O que, particularmente, dá um charme e elegância ao ato de combater em Duna, onde sempre há punhais escondidos nos trajes para ocasiões de descuido, gerando sempre um ar de tensão, medo e desconfiança quando mais de um personagem está em um mesmo ambiente.
Lançado originalmente em 1965, vencedor dos badalados prêmios Hugo e Nebula, Duna tem sido sucesso por décadas e claro, já fez um bom trajeto multimídia em uma era pré-excesso de adaptações, ganhou uma adaptação cinematográfica pelas mãos do diretor cult David Lynch em 1984, o primeiro jogo baseado nos livros de Herbert foi lançado em 1992 no estilo RTS para PC, em 1998 veio Dune II também RTS para PC e PSOne, depois temos Frank Herbert’s Dune (2001) que é um game mais baseado na série de tv e o Emperor: Battle for Dune (2001) para PC novamente e revistando o estilo RTS.
Duas séries televisivas já foram produzidas com base nos livros de Herbert e ainda houve as versões em quadrinhos pela Marvel na década de 1980 que adaptaram o filme para hqs.
Misto de fantasia medieval com space opera, Duna tem prestígio de sobra nos meios de cultura pop/nerd e além deles, claro, por se tratar de uma leitura complexa e cheia de nuances e tons de cinza em cada gesto e atitude.
Leitura atemporal, a meu ver Frank Herbert nos entregou algo extremamente lapidado assim como fizeram Tolkien e Asimov com suas grandes obras (Fundação e Trilogia do Anel), até mesmo aqueles que não são fãs de sci-fi ou de fantasia medieval devem dar uma conferida ao menos no primeiro livro da série, já que Duna transcende facilmente estes dois subgêneros da ficção.
Mas acima de tudo, Duna é uma obra obrigatória não só pela sua grandiosidade, mas pelos temas que aborda e de como aborda, um desses maravilhosos legados literários que o século XX nos deixou… e claro, é fundamental para qualquer um que queira ostentar um título de ‘nerd’ minimamente decente.
Ao todo a saga Duna se desdobra ao longo de seis livros, sendo que o primeiro pode ser lido de forma isolada. Aqui no Brasil a saga Duna se encontra em fase de republicarão e já está em seu terceiro volume pela Editora Aleph (AQUI), esperamos para breve o lançamento do terceiro volume.
- Duna (1965)
- O Messias de Duna (1969)
- Os Filhos de Duna (1976)
- O Imperador-Deus de Duna (1981)
- Os Hereges de Duna (1984)
- As Herdeiras de Duna (1985)
Duna: Dados pela editora Aleph
A vida do jovem Paul Atreides está prestes a mudar radicalmente. Após a visita de uma mulher misteriosa, ele é obrigado a deixar seu planeta natal para sobreviver ao ambiente árido e severo de Arrakis, o Planeta Deserto.
Envolvido numa intrincada teia política e religiosa, Paul divide-se entre as obrigações de herdeiro e seu treinamento nas doutrinas secretas de uma antiga irmandade, que vê nele a esperança de realização de um plano urdido há séculos.
Ecos de profecias ancestrais também o cercam entre os nativos de Arrakis. Seria ele o eleito que tornaria viáveis seus sonhos e planos ocultos?
Ao lado das trilogias ‘Fundação’, de Isaac Asimov, e ‘O Senhor dos Anéis’, de J. R. R. Tolkien, ‘Duna’ é considerada uma das maiores obras de fantasia e ficção científica de todos os tempos. Um premiado best-seller já levado às telas de cinema pelas mãos do consagrado diretor David Lynch.
- Duna
- Autor: Frank Herbert
- Editora Aleph
- ISBN: 978-85-7657-101-8
- Tradução: Maria do Carmo Zanini
- Edição: 1ª
- Ano: 2010
- Número de páginas: 544
- Acabamento: Brochura
- Formato: 16x23cm
Uma rodada de mélange para vocês por minha conta… ptsuu (cuspida sobre a mesa)!
Sobre o Autor
Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.