Guardiões da Galáxia – Indo aonde nenhum filme do Marvel Studios já foi…

Espaço, a fronteira final… uma galáxia muito distante… não pera, esqueçam essa parte…

Sem sombra de dúvidas Guardiões da Galáxia (GdG) é o filme mais ousado do Marvel Studios depois do primeiro Homem de Ferro lá no já distante ano de 2008, um personagem sem muito destaque ou importância no panteão da Casa das Ideias iria encabeçar um plano de estabelecer um Universo Marvel conectado e coeso a partir dali. Alguém pode dizer “mas cara, Vingadores foi a ousadia total”.

Digo sem medo que não, Vingadores (2012) não foi ousado, pelo contrário, foi o ápice do planejamento do estúdio em por ali seu maior e mais bem engendrado produto.

Não havia improviso, não havia erro, não havia surpresa, Vingadores era esperado por todos desde que as primeiras pontas de um universo cinematográfico coeso surgiu nos créditos de cada filme, de modo a interligá-los pela necessidade do surgimento da super-equipe.

Vingadores fez sucesso porque é um filme divertidíssimo, com muita ação, uma história simples com um grupo de super-heróis se unindo para combater uma ameaça que só a união de suas habilidades e poderes pode deter… (que algo mais história em quadrinhos do que isso?). V

ingadores foi o Marvel Studios pisando com força no terreno firme que cimentou desde de 2008. Não foi ousado, foi planejado para ser lindo como foi.

Guardians of the Galaxy

Divisor de águas no próprio estúdio, Vingadores abriu, ou melhor, escancarou tudo para que o Universo Marvel das HQs pudesse ir em peso para as telonas.

A chamada segunda fase não teve lá um começo muito empolgante, já que o sofrível e execrável Homem de Ferro 3 não trouxe nada de novo, não mostrou a que veio e, ao menos em mim, uma dúvida grande do que estava por vir nasceu. Mas algum tempo depois veio o espetacular Capitão América 2: O soldado Invernal (2014), este sim é o filme que em minha visão realmente deu o ponta pé na fase 2 dos filmes do MS.

Ok, teve Thor 2: O mundo Sombrio, mas ali vi algo mais contextual do universo dos deuses asgardianos do que um prolongamento da coesão global do que havia sido feito antes, Thor parecia completamente isolado de qualquer contexto além de desdobrar seu próprio universo particular de aventuras.

Então chegamos até aqui, até os confins do cosmos, em algum lugar da galáxia, cheio de maravilhas, de cores, criaturas e lugares fascinantes que só viemos em poucos vislumbres nos filmes do Thor e em Vingadores quando nos é revelada a presença do poderoso Thanos e sua busca pelas Jóias do Infinito.

E aí começa a brincadeira mais divertida de todas dentro do trabalho e planejamento proposto pelo MS: Guardiões da Galáxia, o filme, adapta a HQs homônima que deve ter ali um bom número de fãs desde que a saga Aniquilação ocorreu anos atrás. Desde sua criação e surgimento em 1969, os GdG tiveram inúmeras formações diferentes até ser composto pela formação vista na adaptação aos cinemas (veja AQUI um pouco destes personagens).

guardians-of-the-galaxy-ronan-the-accuser-HDUm grupo de perdedores, é isso que você vai ver nas telas, um grupo de Losers. Eles não tem um deus do trovão, nem um Hulk, nem um gênio-milionário-filantropo-mala-egocêntrico-antipático, nem um modelo de liderança e virtude para inspirá-los e guiá-los na grande batalha que se anuncia; e exatamente por isso os Guardiões são a melhor e mais eficaz equipe no quesito diversão, ação, aventura e doses estúpidas de sacadas por cena…

Sério, esqueça qualquer momento que você tenha julgado impagável, nada supera um guaxinim falante com um trabuco de quatro canos tirando onda. Perdedores cara, é disso que estamos falando… não tem como Vingadores ser mais ousado do que uma adaptação de um grupo de quase desconhecidos obscuros quando se fala de Thor, Hulk e Capitão América, por exemplo.

Os Guardiões da Galáxia, nem nos seus mais altos e célebres momentos tiveram a mesma visibilidade que X-men e Vingadores dentro da Marvel desde 1969 quando a primeira formação estreou nas HQs.

Peter QuillEsqueça as imbecilidades de Robert Downey Jr. e suas piadinhas forçadas, inoportunas, completamente previsíveis e sem graça: Peter Quill (Chris Pratt), o Senhor das Estrelas (Star Lord, no original) é o cara das piadas infames e da canalhice em níveis galáticos.

Pratt parece estar muito mais do que confortável em seu papel e já em sua cena de abertura não há como negar, seu Senhor das Estrelas é o campeão dos perdedores… e outra coisa fica evidente ao fã do cinema da década de 1980: Guardiões da Galáxia é o melhor filme oitentista feito no século XXI. Está tudo lá, da ação corpo a corpo até os combates frenéticos de larga escala, tem o humor que vai do bem refinado e sutil até o mais escancarado possível… GdG não se furta o direito de ser divertido, de debochar de si mesmo para, logo em seguida, se levar a sério no seu processo narrativo e no desenrolar de seu enredo/roteiro.

Peter Quill deixou nosso mundo ainda muito garoto minutos após a morte de sua mãe quando uma nave alienígena o leva embora para os confins da galáxia; levou consigo apenas sua mochila e seu inseparável tocador de fitas K-7 e sua fita “Awesome Mix Vol. 1”, presente dado por sua mãe e talvez o elemento mais importante da equipe comandada por Quill na aventura… essa fita K-7 é o sexto guardião em tela, com absoluta certeza, já que é a responsável por uma das melhores e mais criativas trilhas sonoras em uma adaptação de HQs para cinema, qualquer outra coisa além disso seria perda de tempo.

Misto de caçador de recompensas, pirata espacial e mercenário, o Senhor das Estrelas consegue obter o Orb, uma antiga relíquia universal cuja importância e posse é de interesse de Ronan, o Acusador (Lee Pace); uma espécie de autoridade religiosa e política da raça Kree que almeja poder desmedido para executar seus planos de guerra e genocídio, a começar por destruir Xandar, planeta sede da Tropa Nova.

Ao lado do Acusador estão Gamora (Zoe Saldana) e Nebula (Karen Gillan), ambas filhas adotivas do temível Thanos, o responsável pela invasão dos Chitauri a Terra comandada por Loki em Vingadores, e que, pela primeira vez podemos ter um vislumbre por completo do personagem em sua versão cinematográfica.

Quill, de posse do Orb, deveria entregar o artefato a Yondu (Michael Rooker), líder do grupo de mercenários do qual Quill fazia parte, entretanto, como bom canalha que é, resolve vender o objeto ao interceptador em Xandar antes de Yondu… mas em seu encalço já estava a perigosa Gamora, filha adotiva de Thanos que prometeu poder imensurável a Ronan caso o mesmo consiga recuperar e entregar o Orb.

Com intuito de trair o pai adotivo, Gamora pretende desviar a entrega do artefato e impedir que Thanos obtenha uma fonte de poder ilimitada. Mas também em Xandar, encontramos a dupla de caçadores de recompensas Rocket (voz de Bradley Cooper), um guaxinim geneticamente modificado e especialista em armas e coisas do tipo; e Groot (voz de Vin Diesel), um ser vegetal consciente e de inteligência aparentemente rudimentar, em busca de um pouco de grana fácil… grana essa que a dupla visualiza na forma de Quill.

rocket-with-gun

Daí em diante o que vemos em tela é pura diversão. 80% da equipe é apresentada em suas principais características em uma única sequência de perseguição entre a assassina Gamora, Quill e a dupla de caçadores de recompensa Rocket e Groot. 

Aqui não tem esse papinho de vamos apresentar um de cada vez e só depois mostrar o que esses caras sabem fazer, aqui é guerra, irmão… Mais uma vez o filme nos lembra que é uma ode aos anos 80 e tudo que o entretenimento televisivo produziu e a sequência por tentar obter o Orb e capturar Quill por parte de Rocket e Groot é praticamente uma daquelas cenas malucas de desenho animado em que alguém quer pegar algo e esse algo passa de mão em mão enquanto os envolvidos usam seus truques, trapaças e artimanhas para serem vitoriosos na disputa. Resultado? Ninguém consegue e o grupo todo vai parar em uma prisão espacial que lembra bem coisas como o desenho Galaxy Rangers e seus cowboys do espaço.

É no cárcere que o último membro do grupo é apresentado ao espectador: Drax, o destruidor (Dave Batista) que faz as vezes do brutamontes do grupo. Sem nada em comum, sem objetivos iguais além de salvar a si mesmos, o grupo é unido pelo objetivo comum de sair ilesos do cárcere e acertar contas uns com os outros: Drax quer matar Gamora que quer impedir que o Orb caia nas mãos de Thanos, mas que está em posse de Quill, já Rocket e Groot só querem mesmo seus milhões de créditos…

E lá vem outra sequência maluca cheia de ação em que até a perna postiça de um detento está envolvida para que o plano de fuga se concretize (uma das melhores sacadas do filme). Aí fica difícil dizer quem rouba cena de quem, pois o elenco parece afiadíssimo em participar daquela farra espacial toda…

Guardians-of-the-Galaxy-Star-Lord-and-Drax-Board-Dark-Aster

Equipe formada e o que se segue em tela é um dos filmes mais originais e divertidos dentro do material entregue até hoje pelo MS.

Sem ter as amarras do contexto terrestre e as ligações entre os filmes anteriores do estúdio, GdG é praticamente selado em uma câmara e segue seu caminho sem “contaminações” cronológicas rígidas, algo normalmente vistas nos outros longas justamente pela necessidade de se ter um contexto único e coeso… mas pasmem, mesmo assim GdG está intimamente ligado com o status quo erguido desde o final de Vingadores quando Thanos se revela ao público. Outro ponto de intersecção é a presença do Colecionador (Benicio Del Toro), detentor do Aether, entregue por Lady Sif ao final do segundo filme de Thor. É nesta ocasião que sabemos que tanto o Aether, quanto o Orb e o Tesseract são artefatos conhecidos como Jóias do Infinito que, quando unidas, podem conceder ao seu portador o poder de controlar todo o Universo.

Com um premissa cronológica que não afeta e nem é afetada pelos acontecimentos terrestres, GdG usa o que há de melhor em computação gráfica para dar vida ao cosmos Marvel na telona; tem de tudo: é Celestial destruindo um planeta inteiro, a existência dos Kree, as muitas e coloridas raças que circulam pelos belíssimos cenários do longa, as naves espaciais, o figurino geral, os combates de todo tipo, Lugarnenhum; a gigantesca cabeça de um antigo Celestial usada quase como um planeta repleto de seres explorando suas riquezas “naturais”… é impossível não conjecturar o que ocasionou a morte de Lugarnhenhum… a verdade é que tudo em GdG é autônomo e permite ao espectador viver aquele universo fantástico de forma completamente livre e imersível.

Com um elenco sem grandes estrelas ou egos estelares, GdG se constrói exatamente pela leveza de seus atores e carisma de seus personagens, me vi várias vezes me interessando muito mais por Rocket e Drax do que por Thor ou Hulk, por exemplo. Cercados por situações absurdas e sem planejamento algum, o grupo vai seguindo por pura insistência, cometendo erro atrás de erro, falha atrás de falha e tudo isso em momentos e que nos surpreendemos segurando o fôlego ali por uns 10, 15 segundos nas belíssimas cenas de ação ou nas situações limítrofes como o encontro de Thanos com Ronan, o resgate de Gamora, o combate das naves em Lugarnenhum, a descida da Dark Aster (o cruzador de Ronan) sobre a cidadela de Xandar); todos os momentos tensos que dão densidade ao filme como processo narrativo e bem resolvido.

Guardioes-da-Galaxia-Gamora-poster-30jun2014-03Mérito da obra mais uma vez, as piadas, a hora de rir e aliviar a tensão não forçam a situação e nem exige o riso besta e sem sentido, tudo se fecha e acrescenta ao ao telespectador, pois não são poucas as ocasiões em que os personagens se desnudam e abrem as portas para a aproximação de seus pares no alívio cômico… o filme é inteligente nessa escolha, pois não perde tempo para mostrar grandes e nobres ocasiões de superação e heroísmo: somos falhos e assim permanecemos, não há heróis aqui, só “pessoas” tentando fazer alguma coisa, sem símbolos ou bandeiras para inspirar.

É na figura de exceção que cada personagem do grupo ganha seu espaço narrativo desfilando seus atributos e sua contribuição para que o filme seja uma obra pontuada por essas participações, claro, com grande foco para Quill, Gamora e Rocket a quem a direção e roteiro brindam com mais frequência… o que não quer dizer que Drax e Groot sejam menos importantes, pelo contrário, acredito que seja de Groot o real alívio cômico do longa todo, uma vez que os demais tem falas completas, enquanto o vegetal humanóide pontua seu insuperável “Eu sou Groot” das formas mais impróprias possíveis de acordo com a intensidade com que fala em determinada cena.

As figuras de exceção que compõe o super-grupo são outra característica comum nos filmes oitentistas de aventura, era comum o grupo de jovens cuja popularidade nas fases escolares ou na universidade não era seu forte… os losers eram comum nas comédias de aventura oitentistas e GdG sabe o poder dessas figuras na hora de mostrar seus guardiões sendo bobos, tolos, inseguros, solitários e encontrando em seres completamente diferentes entre si o seu reflexo: amizade, aquilo que se constrói nos momentos difíceis e nas diferenças, é isso que, a meu ver, torna os Guardiões melhor que os Vingadores, pois ali você tem um reflexo seu pulando de Quill para Gamora, de Gamora para Rocket, de Rocket para Groot, de Groot para Drax e voltando para Quill, fechando um círculo perfeito em volta deles… (Groot sabe o que faz… entendedores entenderão).

Fato este que fica evidente nas sequências finais do filme como um todo, já que a equipe parte para impedir a descida de Ronan até a superfície de Xandar enquanto o vilão, outro jogue nas mãos de Thanos, resolver utilizar o poder da gema por conta própria, se tornando uma ameaça quase indestrutível.

Quase, já que a jóia no martelo do Acusador não é páreo para a dancinha do Senhor das Estrelas, subterfúgio utilizado para que um plano de ação secundário seja utilizado no combate ao despota genocida… seria patético se não fosse algo prenunciado quadro a quadro do filme desde seus primeiros momentos.

Mais um ponto para a direção de James Gunn que também assina os roteiros ao lado de Nicole Perlman. A dupla se superou e torço para sua volta no próximo filme que vem futuramente, com absoluta certeza.

dark aster

Cheio de elementos da cronologia das sagas cósmicas das HQs, GdG se constrói como obra autônoma em seu roteiro e processo narrativo; se você não sabe nada de quadrinhos e de sagas cósmicas, tudo bem, tudo que é necessário para entender e se divertir com o filme está nele… Não conhece a cronologia Marvel dos cinemas? Também não tem problema, o Marvel Studios deu um salto tão alto, mas tão alto que é praticamente um outro ponto de partida que independe de Vingadores.

Apesar de Thanos ser uma ameaça para o grupo da Terra, o fã que começou acompanhar a brincadeira agora pode seguir tranquilamente de GdG para frente e ir atrás dos filmes em versão doméstica.

Não sabe quem é Thanos? O filme te diz. Não sabe o que é uma Jóia do Infinito? O Colecionador te conta a historinha. Não sabe quem são os Guardiões? O filme te mostra um a um e deixa que suas ações os construam. Não gosta de sci-fi espacial? Sem broncas, o filme tem ação e humor suficiente para que você quebre essa barreira, já que a sci-fi nem é a tônica dominante.Quer saber quem é o pai de Peter Quill? É só esperar pela sequência… Você entende muito de HQs? Gosta de sagas cósmicas? Então meu amigo, sente na poltrona e viaje a bordo da Milano junto com o Senhor das Estrelas e os Guardiões da Galáxia, esse é seu lugar.

Está tudo ciclicamente fechado e redondinho para que tanto o fã veterano quanto o novato possam aproveitar todo o potencial que GdG oferece… por exemplo, você não precisa entender o que é ou qual o papel de um Celestial no universo Marvel, o simples fato de vislumbrar a grandiosidade destes seres e sua existência já vale a espera.

Acredito que GdG seja o filme do MS que mais flerta com as HQs da editora Marvel Comics e faz isso sem medo de deixar coisas grandes demais ali, aparecendo em nossa visão sem uma explicação humanamente possível, já que estamos falando dos mistérios de um cosmos rico em mistérios além de nós e de nossos Vingadores.

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Além de todos os seu méritos como filme em si mesmo, além de toda a diversão praticamente desenfreada do longa, o grande mérito de GdG é ser o portão de abertura do Universo Marvel estelar, com todo um background estabelecido para contar histórias autônomas e introduzir elementos cada vez mais fantásticos (na minha opinião Thor falhou nesse ponto), ao material do Marvel Studios, GdG permite para o futuro próximo vislumbrar a chegada de um Adam Warlock, Quasar, Richar Raider (o Nova terráqueo), os outros impérios da galáxia como os Shiars, por exemplo, outros Celestiais e entidades como um Eternidade ou quem sabe um Tribunal Vivo, todos conhecidos dos marvetes e que a partir de agora podem integrar o imaginário do fã que começou a conhecer este rico universo a partir dos cinemas.

Recebido muitíssimo bem nas bilheterias, Guardiões da Galáxia alçou um voo espetacular na filmografia do MS e resgatou um feeling de diversão que parecia estar perdido em algum lugar lá nos anos 80 e sua espetacular trilha sonora. A impressão que tenho agora é que os novos Star Trek, os Transformers e algumas outras obras “resgatadas” desse período tentaram insistentemente acertar a mão do mesmo modo, mas falharam vergonhosamente… fico imaginado se estes filmes que citei tivessem tido o mesmo êxito de GdG, seríamos todos mais felizes agora… inclusive, Guardiões da Galáxia, em termos de diversão geral, só não supera mesmo Vingadores e Soldado Invernal dentro das fileiras do Marvel Studios.

Da poltrona, com headphones a postos, só estou aguardando para por meu Awsome Mix Vol.2 para tocar em alto e bom som no meu walkman velho de guerra, pois o universo é vasto e o Marvel Studios nos mostrou isso da melhor forma possível.

Dados no IMDB

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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